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ELEIÇÃO NOS EUA
Bush, ausente do Vietnã, posa de durão, e Kerry, herói de guerra, surge como fraco, para desespero dos democratas
Inversão de papéis dá vantagem a Bush
DE WASHINGTON
A campanha eleitoral americana viveu nos últimos dias uma
completa inversão dos papéis e
das biografias dos dois postulantes à Casa Branca. Com esse primeiro movimento brusco, a campanha, até então morna, passou a
ter ataques diários, pesados e pessoais; e, pela primeira vez, um dos
candidatos começa a aparecer
lentamente como favorito.
Segundo várias pesquisas de
opinião divulgadas na semana
passada, o presidente republicano, George W. Bush, abriu uma
vantagem de sete a 11 pontos sobre o democrata John Kerry.
A vantagem, inédita para qualquer um dos lados, apareceu na
seqüência da Convenção Nacional Republicana, em Nova York,
realizada no início do mês.
Na ocasião, Bush repetiu por 62
minutos um discurso firme de
""defensor da América". Durão,
apelou o quanto pôde para o 11 de
Setembro e atacou as ""fraquezas"
e ""contradições" do adversário.
A aparição de Bush, depois de
três dias de fortes ataques a Kerry
no evento, foi o ápice de uma estratégia baseada na ""política do
medo" e destinada a exaltar "o
mais apto" a proteger os Estados
Unidos.
Dias depois, na mesma linha, o
vice de Bush, Dick Cheney, subiria ainda mais o tom ao sugerir,
do nada, que os EUA serão atacados caso Kerry derrote Bush.
Os ataques a Kerry, que começaram há semanas em anúncios
de TV pagos por veteranos de
guerra, acabaram, de fato, transformando o herói condecorado
por bravura no Vietnã em um
candidato ""fraco e indeciso" na
percepção do eleitor.
Bush, por sua vez, conseguiu
apagar o seu nada brilhante histórico militar e se apresentar como
melhor alternativa à segurança
dos EUA. Assim como muitos filhos da elite americana na época
do Vietnã, Bush se refugiou na
Guarda Nacional, que não foi à
guerra, para evitar o conflito.
""Kerry perdeu totalmente o foco de sua campanha, que deveria
ser o de atacar o passado de Bush
em contraponto com o dele próprio", afirmou William Schneider, analista da CNN, à Folha.
A estratégia republicana, segundo Norman Ornstein, analista da
TV CBS e do jornal ""USA Today",
produziu uma inédita inversão de
papéis, que vai além das biografias. ""Uma eleição que deveria ser
um referendo para o presidente
no cargo acabou se tornando um
referendo para o oponente. De
forma bem-sucedida, a campanha de Bush virou pelo avesso a
principal fraqueza de seu candidato", diz Ornstein.
Imagens, fotos e anúncios da
atual campanha acabaram de alguma forma galvanizando essa
inversão de papéis.
Na semana em que realizou sua
convenção em Nova York, por
exemplo, um Bush enorme e com
semblante agressivo foi capa da
revista "Newsweek". A imagem
antecipou o tom de seu discurso e
lembrou outras várias ocasiões
em que o presidente se fez apresentar, com motosserra em punho, cortando lenha no Texas.
Na mesma semana, enquanto
os republicanos ""demoliam"
Kerry na convenção, o democrata
apareceu por dias seguidos nos
jornais trajando roupas de borracha esquisitas e fazendo kitesurfe
perto de sua casa de praia.
A imagem, um clássico do
"Kerry esportista", acabou associada em tablóides de Nova York
à vestimenta da ""Mulher Gato",
filme em cartaz nos EUA.
O contraste daqueles dias produziu uma crise na campanha democrata, que já percebia um movimento desfavorável nas pesquisas. Desde então, Kerry não surfou mais -e calibrou para cima o
tom de seus ataques. ""Está tudo
acabado? Ainda não. A saída de
Kerry é focar em assuntos do interesse do eleitor, principalmente a
economia", afirma Schneider.
Na semana passada, Kerry procurou ""empacotar" em uma só
frase os dois assuntos mais relevantes para a opinião pública.
""Bush está gastando US$ 200 bilhões no Iraque enquanto os desempregados não arrumam trabalho nos EUA", afirmou o democrata, de segunda à sexta.
Peter Feaver, cientista político
da Universidade Duke, diz que há
""limite para a tolerância" do eleitor em relação ao Iraque, onde, há
poucos dias, chegou-se à marca
de mil americanos mortos. ""Esperaria alguma erosão [para Bush]
mais à frente", afirma Feaver.
Ao mesmo tempo em que volta
a colocar o Iraque e a economia
no centro de sua campanha,
Kerry tenta fazer ressurgir a questão do seu histórico militar em
contraposição ao de Bush.
Na semana passada, lacunas e
dúvidas em relação ao cumprimento dos deveres de Bush como
piloto da Guarda Nacional em
1972 voltaram ao noticiário e foram imediatamente amplificadas
pelos democratas.
Um novo anúncio de TV veiculado em Estados-chave na eleição
mostra Kerry no Vietnã. Na seqüência, Bush surge em roupa de
aviador comemorando a ""missão
cumprida" no Iraque. Depois, as
recentes manchetes com os mais
de mil soldados mortos no país.
Ao mesmo tempo, o site democrata deflagrou uma campanha
nacional para "exigir a verdade"
sobre o passado militar de Bush.
""Muitos temas ainda dão espaço para os democratas respirarem
e tentarem uma recuperação", diz
Karlyn Bowman, analista do instituto de pesquisas conservador
American Enterprise Institute.
""Mas, se pudesse escolher, eu preferiria estar dentro dos sapatos de
Bush."(FERNANDO CANZIAN)
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