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EUA e Iraque transformam desinformação em arma
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Mohammed Said al Sahaf, ministro da Informação do deposto
regime iraquiano, passará para a
história da atual guerra como o
autor de bravatas enunciadas sem
o menor pudor. "Vamos cercá-los
e trucidá-los", reiterou com relação às tropas norte-americanas
que se aproximavam e em seguida se apoderaram de Bagdá.
Mas ele e seu governo não tiveram o monopólio das inverdades.
A desinformação foi bastante utilizada como arma de guerra pela
coalizão anglo-americana.
Os "altos funcionários do serviço de inteligência" dos EUA chegaram a enganar o "Washington
Post", que, já no início das operações, em 21 de março, acreditou
na versão de que Saddam Hussein
fora gravemente ferido ou possivelmente morto, em Bagdá.
É provável que tal mentira fizesse parte do arsenal psicológico
destinado bem mais a a enfraquecer o inimigo do que a confundir a
mídia ocidental. Se acéfala, a ditadura iraquiana se desintegraria
sem maior esforço militar.
O fato é que Donald Rumsfeld
(Defesa) e Ari Fleischer (Casa
Branca) e mais ministros ingleses
multiplicaram declarações em
que colocavam em dúvida a identidade real do Saddam que aparecia na TV iraquiana encabeçando
reuniões com os dois filhos e com
assessores fardados.
A dúvida persistiu até que o ditador mencionou diante das câmaras a queda de um helicóptero
norte-americano que ocorreu de
verdade. Saddam havia sobrevivido à primeira leva de destruição.
E caso surgisse em transmissão ao
vivo, a coalizão com certeza iria
monitorar sua localização e acabaria de vez com ele.
A suposta localização de armas
químicas integrou um segundo
grupo de versões jamais confirmadas. Havia por parte da mídia
norte-americana, como a rede de
TV Fox News, o axioma segundo
o qual a guerra era patriótica e
embutida de verdade. Se Bush a
desencadeou para "desarmar"
Saddam, era impossível que inexistissem arsenais de destruição
em massa. Que, aliás, não foram
até agora localizados.
Ocorreram quanto ao assunto
seis "alarmes falsos". Os militares
da coalizão cometeram a maior
gafe em se tratando de uma suposta fábrica de ogivas químicas a
160 km ao sul de Bagdá. O alto comando norte-americano disse no
dia seguinte não ter como confirmar a informação. Mas a cada nova "revelação" a mídia patriótica
festejava de forma acrítica.
Ocorreu também um descompasso entre as conquistas territoriais verdadeiras e a forma antecipada com que elas eram anunciadas. Basra teria primeiramente
caído 48 horas depois que tropas
britânicas acamparam em seus
subúrbios. Segundo os informantes oficiais, Nassiriah "caiu" dez
dias antes que os norte-americanos efetivamente a controlassem.
Por malícia ou erro de interpretação, os informantes militares diziam acreditar que, em cada cidade sitiada, a população local se revoltaria e deporia os representantes locais de Saddam.
A maior gafe foi cometida pelos
britânicos em Basra. Afirmaram
se tratar de rebelião um distúrbio
ocorrido em 25 de maio, porque
água e alimentos não estavam
sendo propriamente distribuídos.
Só a 6 de abril é que o Reino Unido conquistou a cidade.
É impossível saber até que ponto a coalizão exagerou no poderio
do inimigo como forma de, em
seguida, triunfar com a relativa facilidade de sua derrota. Foram
funcionários norte-americanos e
britânicos que convenceram a
mídia de que a guerra poderia ser
longa, em razão do poder de fogo
e da motivação política da Guarda
Republicana. Isso não ocorreu.
Foi também irrealista e exagerada a previsão de que ocorreria
uma "guerrilha urbana", na qual
partidários de Saddam se misturariam a 4.000 voluntários de outros países árabes que defenderiam Bagdá até a morte.
Atentados de homens-bombas
ocorreram com uma frequência
irrisória. Não se transformaram
em instrumento de resistência
disseminado por todo o território
iraquiano.
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