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DIPLOMACIA
Brasília quer assento permanente no Conselho de Segurança, mas não honra compromissos atuais com as Nações Unidas
Vaga no CS da ONU trará custo extra ao Brasil
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
O governo brasileiro aperta o
passo para conseguir uma cadeira
permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, mas não
consegue honrar seus compromissos com a entidade. Não pagou nenhum centavo dos US$
41,5 milhões que deveria desembolsar para os orçamentos deste
ano da organização. A dívida total, que inclui débitos de anos anteriores, é de US$ 107,2 milhões.
Se, por um lado, representaria
ganho político para o país no cenário mundial, a vaga fixa no CS
tenderia, por outro lado, a elevar
as obrigações do Brasil com a
ONU, sobretudo em contribuições militares e em comprometimento de pessoal.
O passo diplomático mais emblemático da candidatura brasileira foi dado no último dia 20 de
junho, quando o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pediu diretamente ao colega George W. Bush
o apoio dos EUA à iniciativa.
Só cinco países têm vaga permanente, com direito a veto, entre os
15 membros do CS -o único órgão da ONU com poder para, por
exemplo, autorizar uma guerra.
Além dos EUA, são fixos o Reino
Unido, a França, a Rússia e a China. Os demais membros são eleitos e ficam dois anos. O Brasil deve assumir uma cadeira provisória no próximo ano.
Atualmente, o governo brasileiro tem de contribuir mais para
pagar as despesas correntes da
ONU (não contando missões de
paz) do que a China e a Rússia,
que têm cadeiras fixas no CS. A
diplomacia brasileira argumenta
que o país é o nono maior contribuinte da instituição e não tem representatividade condizente com
os pagamentos.
"Nós sofremos um aumento
maior das contribuições com a última renegociação da escala de
pagamentos sem receber nada em
troca", afirma o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim,
histórico defensor da inclusão do
Brasil no CS.
O Brasil também deve mais que
a China e a Rússia. É hoje o quarto
maior devedor da ONU. E, se o
Brasil for elevado à condição de
membro permanente, mantidas
as atuais regras de rateio, ficará
ainda mais caro para o país fazer
parte da instituição.
Além das despesas correntes, a
ONU tem um segundo orçamento para o custeio das missões de
paz. Os membros permanentes
têm de arcar com a maior parte
dos custos dessas missões.
As contribuições da China e da
Rússia à ONU mais que dobram
quando incluídos os pagamentos
para as missões de paz. Neste ano,
o Brasil deveria pagar US$ 32,3
milhões para cobrir as despesas
correntes da ONU; a China, US$
20,7 milhões, e a Rússia, US$ 16,2
milhões. O custo das missões de
paz para o Brasil em 2003, por outro lado, é de US$ 5,6 milhões, enquanto a China precisa bancar
US$ 22,5 milhões. A Rússia deverá pagar US$ 17,6 milhões.
Neste ano, nada disso foi pago
pelo governo brasileiro, que acumula também dívidas passadas,
fazendo o débito total chegar a
US$ 107,2 milhões.
Pela Carta da ONU, um país pode perder seu voto até na Assembléia Geral -a instância que congrega todos os membros da entidade- se sua dívida superar o
dobro da contribuição devida
anualmente. Isso não acontece se
o governo devedor conseguir
uma espécie de "perdão", mostrando que não teve como pagar.
"É um problema dramático.
Um país com a projeção internacional do Brasil não pode estar
ameaçado de perder o seu direito
de voto", diz Amorim, que considera "lamentável" a situação. Um
diplomata brasileiro entrevistado
pela Folha diz que o governo pagará pelo menos o mínimo necessário para não perder o direito ao
voto na Assembléia Geral.
A contribuição brasileira é
maior que a da China e a da Rússia porque é estimada com base
no tamanho da economia e na
renda per capita. Na última vez
em que foi calculada a parte de cada país, na segunda metade dos
anos 90, o real estava valorizado
em relação ao dólar, o que prejudicou o Brasil.
Dado que o país não consegue
honrar seus compromissos com a
organização e que chegar a ser
membro permanente do CS significa mais custos, a pergunta que
fica é se vale a pena tentar entrar
no seleto grupo.
Amorim diz que sim. "O aumento não seria absurdamente
grande", pondera o ministro. Ele
enfatiza a importância de o Brasil
estar no centro das decisões. Na
sua opinião, as decisões do CS afetam o país e a melhor estratégia
para não ser prejudicado é poder
influenciá-las diretamente.
Por outro lado, especialistas
apontam que a entrada no CS pode significar outros custos importantes, como o comprometimento de tropas em operações de paz
da ONU -o Brasil é hoje o 47º
contribuinte.
"Os membros permanentes não
são os maiores contribuintes. Entretanto outros candidatos, como
a Nigéria e a Índia -que são o segundo e o terceiro maiores contribuintes-, usam isso como argumento para seu pedido. Assim,
pode aumentar a pressão para o
Brasil se envolver mais no campo
das missões de paz", diz Jochen
Prantl, professor da Universidade
de Oxford e estudioso da ONU.
Na opinião de um diplomata
que foi do primeiro escalão durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), a
cadeira tem um preço político.
A maior parte dos assuntos em
discussão no CS, opina o diplomata -que não quis ser identificado-, diz respeito a questões
africanas e do Oriente Médio, que
não são tão interessantes para o
Brasil.
Se conseguisse a cadeira permanente, o Brasil precisaria tomar
posições nessas discussões e acabaria se indispondo com outros
países. Também sofreria pressões
diretas das potências mundiais,
pois sua posição se tornaria importante para aprovar projetos de
interesse de países como os EUA.
Prantl diz ainda que a cadeira
no CS exige investimento em pessoal. "Membros permanentes
precisam de considerável apoio
de suas capitais. Em geral, a vaga
permanente requer uma política
externa que reflita visões e interesses globais. Precisa de estruturas institucionais apropriadas,
com recursos humanos suficientes", diz o estudioso.
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