|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para presidente de "think tank" conservador, 11 de setembro levou EUA a refletir sobre uso da força militar
'Mundo está dividido entre bons e maus'
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Os atentados terroristas de 11 de
setembro foram um sinal de alerta para os EUA, e é compreensível
que eles tenham levado o país a
ter uma política externa mais ativa, sendo menos isolacionista e
refletindo sobre o uso da força
militar na cena internacional.
A análise é de Gary Bauer, presidente de um "think tank" conservador denominado American
Values (valores americanos) e
uma das figuras mais influentes
na cena política dos EUA.
Folha - Quais são os valores americanos que o sr. defende?
Gary Bauer - O grupo American
Values é um "think tank" conservador que busca promover uma
série de valores políticos e culturais que considero cruciais. Defendemos várias medidas, como a
redução dos impostos que pesam
sobre as famílias americanas ou o
fortalecimento dos valores familiares na sociedade americana.
Apoiamos uma política externa
americana forte e ativa nos locais
em que podemos fomentar a liberdade ou em que sentimos que
os EUA devem utilizar seu poder
militar para defender-se e para
proteger outras nações livres. As
ameaças vêm de terroristas ou de
Estados "delinquentes", que buscam obter armas de destruição
em massa pelo mundo.
Folha - Sim, mas que valores são
esses exatamente?
Bauer - No que se refere aos valores, somos, por exemplo, pró-vida, ou seja, contrários ao aborto. Infelizmente, nos EUA, o aborto é legal durante os nove meses
da gravidez, e nós nos opomos radicalmente a isso.
Somos favoráveis a uma política
educacional ativa no que concerne a ensinar padrões claros do
que é certo e do que é errado às
crianças americanas. Também
gostaríamos de ver uma reforma
da lei do divórcio, buscando atenuar a tendência de destruição familiar existente nos EUA nas últimas três ou quatro décadas.
Muitos de nossos simpatizantes
são conservadores religiosos, que
se preocupam com a deterioração
da cultura americana por conta
da influência de Hollywood. Somos contrários à cultura de sexo e
violência propagada pelos filmes.
Folha - O que o sr. pensa do termo
"neoconservadorismo"?
Bauer - Ele tende a referir-se a
um grupo de conservadores que,
há muitos anos, simpatizavam
mais com o Partido Democrata.
Mas, desde os dois governos de
Ronald Reagan [1981-1989", esse
grupo passou para o Partido Republicano. Os neoconservadores
não são tão hostis a ações do governo quanto os conservadores.
Além disso, eles tendem a ser bem
menos isolacionistas que os conservadores tradicionais.
Folha - O sr. aprova a mudança de
rumo da política externa dos EUA
ocorrida depois dos atentados de
11 de setembro de 2001?
Bauer - Creio que os ataques terroristas tenham sido uma espécie
de sinal de alerta para os EUA e
que seja compreensível que eles
tenham levado o país a reavaliar
seu papel no mundo, refletindo
sobre os momentos em que é
apropriado usar a força militar.
Se o presidente [Bill" Clinton ou
o presidente [George W." Bush tivesse apresentado provas concretas de que seríamos atacados pela
Al Qaeda, seria justificável buscar
destruir a rede de Osama bin Laden antes da ocorrência dos atentados? Em minha opinião, moralmente e legalmente, sim.
No caso atual, há provas claras
de que a Al Qaeda e outros grupos
terroristas internacionais querem
atacar os EUA e alguns de nossos
aliados europeus. Ademais, há
provas irrefutáveis de que [o ditador iraquiano" Saddam Hussein
já colaborou com essas forças.
Se puder obter armas de destruição em massa, ele as passará a
uma dessas organizações criminosas. O presidente dos EUA é,
portanto, forçado a tomar as medidas necessárias para evitar que
isso ocorra, para proteger o país.
Folha - E quanto ao argumento de
que Bush pretende sobretudo controlar o petróleo iraquiano?
Bauer - Quem diz isso pensa que
Bush é pior que Saddam, o que,
para mim, é loucura. Simplesmente, não vejo nenhuma pista
de que esse argumento seja verdadeiro nem de que seja esse o objetivo da atual administração.
Qualquer ação militar americana levará em consideração somente as informações confidenciais que nossos serviços de inteligência tiverem e o histórico de
Saddam. Não podemos esquecer
que ele já usou armas de destruição em massa até contra a população de seu país.
Folha - Os neoconservadores dizem que o secretário de Estado, Colin Powell, é moderado demais. O
que o sr. pensa disso?
Bauer - Powell é um homem
honrado, porém ele é muito mais
liberal do que o restante da atual
administração e muito mais favorável às organizações internacionais do que outros membros do
governo, como o vice-presidente
[Dick" Cheney e o secretário da
Defesa, [Donald" Rumsfeld. Powell sempre busca que Washington valorize a ONU.
Faço parte da ala de Cheney e
Rumsfeld, pois penso que Powell
tem sido influenciado demais pela burocracia existente no Departamento de Estado, que tende a
acreditar que todos os problemas
possam ser resolvidos por resoluções da ONU. Infelizmente, no
mundo em que vivemos, frequentemente, a única solução viável é
derrotar as pessoas más.
Folha - A ONU é ineficaz?
Bauer - A ONU tem desempenhado um papel bastante negativo no que se refere ao Iraque. Ela
aprovou uma série de resoluções
claras sobre o tema há mais de
uma década, contudo ainda não
conseguiu implementá-las por razões que desconheço.
Saddam deixou de permitir a
entrada dos inspetores da ONU
em 1998 e voltou a tentar obter armas de destruição em massa, e a
ONU nada fez para impedi-lo.
Ademais, partes da organização,
como a Comissão de Direitos Humanos, são hoje reféns da vontade de Estados, como a Síria e o Sudão, que violam os valores mais
básicos dos seres humanos.
Folha - O sr. crê também que a
ONU deva implementar suas resoluções contrárias a Israel?
Bauer - Oponho-me a essas resoluções. A ONU já aprovou mais
textos que condenam Israel do
que resoluções contrárias a qualquer outro país do mundo. Todavia há Estados que cometem crimes terríveis, e ninguém fala nada
sobre isso na ONU.
No que diz respeito a Israel e aos
palestinos, segundo as leis internacionais, os territórios não são
ocupados, mas estão em disputa.
Assim, a ONU não pode insistir
na saída dos israelenses dessas
áreas sem exigir que haja garantias de que a população de Israel
poderá viver em segurança.
Folha - O que é bom para os EUA é
bom para o restante do planeta?
Bauer - É claro que cada país deve ter o direito de defender seus
interesses. Pode parecer fora de
moda, mas creio que o mundo esteja dividido entre os bons e os
maus. Com isso, vejo uma grande
diferença entre o uso da força para libertar um país ou para proteger um Estado de um ataque e o
uso da força para expandir o poder de uma nação ou para minar a
liberdade de uma população.
Texto Anterior: Nascido de ruptura na esquerda, grupo redefine conservadorismo Próximo Texto: Quem é quem: Os ideólogos do neoconservadorismo Índice
|