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Após os 200 mortos nos atentados, espanhóis vão às urnas sem saber a quem culpar; regionalismo volta ao centro do debate
Espanha tem eleição mais triste da história
DO COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI
Era para ser uma eleição sonífera. Uma escolha entre um assumido "más de lo mismo", oferecido
pelo Partido Popular, há oito anos
no governo, e seu novo líder, Mariano Rajoy, e uma "mudança
tranqüila", como a rotula José
Luis Rodríguez Zapatero, o candidato do PSOE (Partido Socialista
Operário Espanhol).
Duzentos mortos depois (ontem, morreu a 200ª vítima dos
atentados de quinta-feira), as eleições viraram "as mais tristes e estranhas da história da democracia
espanhola, com um país que se
sente cheio de dor e de raiva ante
o pior atentado de sua história",
como escreveu ontem, no "El
País", Soledad Gallego-Díaz, que
vinha fazendo uma rica crônica
diária sobre a campanha eleitoral.
Pior, sempre segundo Soledad,
"existe a possibilidade, ainda por
cima, de que os cidadãos irão às
urnas sem saber a quem atribuir o
massacre de Madrid". Ontem,
ocorreram diversos enterros e cerimônias fúnebres no país.
Mudaria o resultado eleitoral
saber se quem matou 200 pessoas
foi a Al Qaeda ou o grupo terrorista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade)? Ninguém sabe. A sabedoria
convencional, no entanto, manda
dizer que, se foi o ETA, o governo
sairia favorecido porque vendeu a
idéia de que os socialistas são
brandos com o grupo terrorista.
Se foi a Al Qaeda, como agora
parece mais provável, o governo
certamente pagará um preço por
seu apoio à Guerra do Iraque, mas
é cedo para saber se o custo virá já
na votação de hoje.
Mesmo que o terror islâmico seja o culpado, a ETA está em tamanha evidência, e deixa claro que
um tema que parecia artificialmente inflado durante a campanha tornou-se de fato relevante:
como tratar as reivindicações autonomistas de regiões como o
próprio País Basco, a Catalunha, a
Andaluzia, a Galícia?
Para brasileiros, habituados a
ver diferenças apenas de sotaque
entre gaúchos e baianos, paulistas
e cariocas, é bom saber que, na Espanha, quase a metade da população tem outra língua oficial (não
um mero sotaque), além do espanhol. Aliás, há nacionalistas que
dizem que não é correto usar "espanhol". O certo seria "castelhano", a língua de Castela (ou Madri, o centro político hoje).
Se é certo que apenas uma minoria extremista prega, por exemplo, a independência do País Basco, é também certo que a Espanha
tem um problema não resolvido:
a questão de suas 17 regiões autônomas.
"A devolução das competências
(fiscais, administrativas, políticas) às autonomias ainda não
atingiu o estágio final desenhado
pela Constituição", diz, por exemplo, Sebastian Balfour, professor
de Estudos Espanhóis Contemporâneos na London School of
Economics.
Diferenças
Aí, sim, há diferenças entre
PSOE e PP, aponta Balfour: "Ao
contrário do PSOE, o PP se recusa
a negociar e aprofundar o processo de autonomia, uma política
que tenderia a ganhar considerável apoio entre bascos e catalãos,
minando os esforços dos que buscam a independência".
Vai um pouco na mesma direção Josep Fradera, professor de
História Moderna e Contemporânea na Universidade Autônoma
de Barcelona. Começa dizendo
que "a direita espanhola (o PP)
não percebe o impacto da dureza
da ditadura franquista (1939/
1975) em sociedades com cultura
própria e uma experiência política complexa nas primeiras décadas do século 20".
Por isso mesmo, nega-se ao diálogo com as lideranças autonômicas para ampliar a descentralização. "O dilema de todo sistema federal ou quase federal, que é o de
saber quem manda e de onde
manda, permanece sem se resolver na Espanha", conclui Fradera.
Descentralização
É opinião inversa à do filósofo
Fernando Savater, catedrático de
filosofia na Universidade Complutense de Madri e, hoje, um dos
alvos preferenciais dos nacionalistas. Em artigo recente, Savater
diz que a Espanha já é "o país
mais descentralizado da União
Européia", para concluir que "a
autonomização parece o primeiro
passado rumo à atomização".
Os atentados de quinta-feira
reatualizaram a discussão, como
deixa claro o artigo de ontem,
também no jornal "El País" , de
autoria de Jordi Pujol, que foi o
presidente da Generalitat (o governo autônomo catalão) desde a
redemocratização, em 1977, até a
derrota eleitoral de seu partido,
no fim do ano passado.
Depois de lamentar o "clima
muito tenso da política espanhola", Pujol cobra "um esforço de
diálogo, é claro que não com o
ETA, seja ou não responsável pelo
atentado de Madri, mas sim com
o nacionalismo democrático catalão e basco".
Agora, as urnas vão dizer se o
eleitorado prefere o PSOE, mais
inclinado ao diálogo (não com o
ETA, que fique claro), ou concede
nova maioria absoluta ao PP e à
sua política dura em relação a
qualquer tipo de reivindicação
autonomista.
(CLÓVIS ROSSI)
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