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Testemunha viu homem mascarado com mochila perto de estação de trem; segue discussão sobre a rapidez com que governo culpou o ETA
Jovens com máscaras de esqui são nova pista
DO COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI
Três jovens que usavam máscaras de esqui e estavam próximos
ao furgão Renault em que foram
encontrados sete detonadores
iguais aos utilizados nos atentados de quinta-feira.
Essa parece ser a única nova pista mais concreta de que dispõe a
polícia espanhola para estabelecer
a responsabilidade pelas 200 mortes causadas em quatro trens (ontem, morreu a 200ª vítima).
A informação foi dada por uma
testemunha não identificada ao
programa "Informe Semanal" da
TVE (Televisão Espanhola).
O informante é o mesmo que
avisou a polícia sobre o furgão, no
qual, além dos detonadores, foram encontradas fitas gravadas
em árabe, com versículos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.
Mas o informante disse à televisão que os mascarados lembravam os que costuma ver na TV,
lendo comunicados da organização terrorista ETA (Euskadi Ta
Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade).
Um dos jovens, de aproximadamente 1,85 metro, dirigia-se aos
trens, levando uma mochila e
uma sacola, enquanto os dois outros teriam ficado perto do furgão.
Por volta de 7h, a testemunha
dirigia-se à estação de Alcalá de
Henares, cidade próxima a Madri,
da qual partiram os "trens da
morte", e estranhou o uso de máscaras de esqui porque não fazia
frio para tanto. As explosões se
deram em Madri a partir de 7h39.
O depoimento não dissolve a
dúvida sobre a autoria dos atentados, que inquieta os espanhóis e
divide oposição e governo.
Há, de um lado, a "pista islâmica", dada pelos versículos do Alcorão, que, em tese, reforçam a hipótese de ter sido a Al Qaeda ou
um grupo a ela ligado.
Mas as máscaras parecidas com
as que o ETA usa apontam para a
"pista basca", à qual o governo
continua dando total prioridade.
Tanta prioridade que o jornal
"El País" revelou, em sua edição
de ontem, que o Ministério de Relações Exteriores do país mandou
instruções a seus embaixadores
para que, "em todas as ocasiões",
confirmassem a responsabilidade
do ETA, "ajudando assim a dissipar qualquer tipo de dúvida que
certas partes interessadas possam
querer fazer surgir".
Dá a impressão de que o governo trata, de qualquer forma, de
culpar o terrorismo basco, com
motivos político-eleitorais. Mas
pode ser mera reação automática.
As instruções foram emitidas na
quinta-feira relativamente cedo,
antes de se saber sobre o furgão de
Alcalá de Henares com os detonadores e os versículos do Alcorão.
Para aumentar as dúvidas, há
quem acredite na negativa do
ETA sobre sua responsabilidade,
ao contrário do governo.
Miren Azkarate, a porta-voz do
governo basco, acha crível o desmentido do ETA, feito em telefonemas ao jornal "Gara" e ao canal
de TV basco. Na mesma linha vai
Arnaldo Otegi, dirigente de Batasuna, partido político próximo ao
ETA e que foi declarado ilegal pelo governo Aznar.
"A pessoa que telefonou ao "Gara" revelou certos fatos e detalhes
que não posso repetir, mas que só
podem conhecer os que conhecem bem o ETA e sua história",
disse Otegi ao jornal francês "Le
Monde".
A porta-voz deu-se ao luxo de
citar um importante líder do partido do governo, Jaime Mayor
Oreja, que há duas semanas dissera: "O ETA mata, mas não mente". Azkarate acha que, agora, o
governo deveria acreditar no desmentido telefônico feito em nome
da organização terrorista.
Em contrapartida, há quem dê
fé ao comunicado do grupo islâmico próximo da Al Qaeda, assumindo a autoria. Omar Bakri, radicado em Londres e também tido como vinculado ao terrorismo
islâmico, disse ao jornal italiano
"La Reppublica" que é "autêntica" a carta enviada a um jornal
árabe editado na capital britânica.
Mas um especialista ouvido pelo jornal espanhol "El País" duvida da participação da Al Qaeda,
com base no "modus operandi"
da organização. Mustapha Alani,
estudioso iraniano baseado em
Londres, diz que a Al Qaeda usa
suicidas em suas operações (de fato foi assim no 11 de setembro) e
"busca objetivos claramente associados ao modo de vida ocidental
ou ao judaísmo".
Não houve suicidas em Madri e
é óbvio que trens de subúrbio não
são exatamente uma vitrina do
modo de vida ocidental ou judaico.
O governo, por meio do ministro do Interior, Ángel Acebes, insiste na responsabilidade do ETA.
"Não dispomos de nenhum dado
adicional ou concludente que indique a Al Qaeda", disse ontem.
Mas tampouco deu qualquer dado adicional ou concludente sobre o envolvimento do ETA.
Já Mariano Rajoy, o candidato
do Partido Popular ao cargo de
premiê na eleição de hoje, usa um
argumento nada científico para
culpar o ETA. "Além do que me
dizem, tenho a convicção moral
de que é assim" (culpa do terrorismo basco), disse Rajoy, que foi
ministro do Interior até recentemente, ao jornal "El Mundo".
(CLÓVIS ROSSI)
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