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RÚSSIA
Se ao menos 50% do eleitorado for às urnas hoje, presidente vencerá o pleito, mas seu segundo mandato será repleto de desafios
Só apatia eleitoral ameaça vitória de Putin
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Se o comparecimento às urnas
ultrapassar os 50% exigidos por
lei, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, deverá obter hoje a reeleição sem nenhuma dificuldade,
segundo pesquisas recentes.
Putin conta com a preferência
de cerca de 80% do eleitorado e
promete utilizar seu segundo
mandato para dar continuidade
ao que chama de seu "projeto de
modernização da Rússia" e para
melhorar o nível de vida da população, buscando reduzir a enorme
disparidade existente entre os
mais ricos e os menos abastados.
A parte da oposição encabeçada
pelos liberais do partido Yabloko,
de Grigory Yavlinsky, exorta a população a boicotar o pleito. Pesquisas recentes mostram que
mais de 50% dos eleitores deverão
ir às urnas. Porém, segundo especialistas ouvidos pela Folha, os
institutos de pesquisas são dominados por grupos pró-Kremlin,
sendo pouco confiáveis.
"Não se pode acreditar no que
dizem os números das pesquisas,
visto que o Kremlin controla praticamente toda a sociedade russa
atualmente", afirmou Sarah Mendelson, pesquisadora do escritório de Moscou do Carnegie Endowment for International Peace,
um "think tank" americano.
De fato, desde que venceu a eleição presidencial de 2000 -depois
de ter sido premiê de Boris Ieltsin
e de tê-lo substituído na Presidência durante alguns meses-, Putin vem realizando uma campanha de centralização de poder que
preocupa a comunidade global.
Primeiro, Putin começou a desmontar instituições que, de acordo com ele, eram ligadas ao regime comunista da URSS. Segundo,
pôs fim à liberdade de que gozavam os líderes políticos regionais,
fortalecendo o controle do Kremlin sobre a cena política regional.
Terceiro, o presidente passou a
controlar a maior parte da mídia,
sobretudo TVs e rádios, e a perseguir os chamados "magnatas da
imprensa", como Boris Berezovsky -que ajudara a elegê-lo e
era próximo de Ieltsin- e Vladimir Gusinsky. Ambos estão hoje
exilados. Finalmente, ele passou a
atacar os "oligarcas" -que enriqueceram com o processo de privatização da década de 90.
Sua última vítima foi o megaempresário do petróleo Mikhail Khodorkovsky. Este, que é
considerado o homem mais rico
da Rússia, negou anteontem, da
prisão, que tivesse desviado dinheiro público e enviado bilhões
de dólares a bancos suíços.
Na quinta-feira passada, um
grupo de bancos suíços congelou
US$ 5 bilhões de contas de Khodorkovsky e de seus aliados. A
ação teve como pano de fundo a
investigação que pesa sobre ele e
sobre sua empresa, a Yukos.
"Desde que venceu a eleição e
ganhou legitimidade popular para exercer a Presidência, Putin decidiu restabelecer o controle do
Estado sobre a sociedade, algo
que foi diluído durante a década
de 90. No início, sua tentativa de
subjugar a imprensa foi o que
causou mais alarde, mas sua campanha é muito mais profunda, e o
controle da mídia é só uma parte
de seu projeto", analisou Vladimir Kramnik, da Universidade
Pública de São Petersburgo.
De acordo com Mendelson, todavia, é errado pensar que o projeto de democratização da Rússia
iniciado na década de 90 fracassou -"simplesmente porque ele
jamais existiu verdadeiramente".
"No Ocidente, os analistas acreditaram rápido demais que o aparecimento de instituições típicas
de regimes democráticos significasse que os russos tivessem escolhido o caminho da democracia
ocidental. Na verdade, além do
formalismo institucional e de eleições no mínimo duvidosas, pouco foi feito nesse sentido", disse.
"Pesquisas mostram que um
terço da população russa é favorável à democracia, que um terço é a
favor de um regime autoritário
eficaz e que um terço é favorável
só a um governo eficaz -qualquer que seja sua orientação. Isso
mostra que a democracia não é
um anseio da maioria da população", acrescentou Mendelson.
"Siloviki"
A russa Ksenia Yudaeva, co-autora de "The New Political Economy of Russia" (a nova economia política da Rússia), defende a
tese de que a classe política russa é
dividida entre "liberais internacionalistas", como Yavlinsky, e
"nacionalistas não-liberais", como os "siloviki" (promotores, policiais, militares e integrantes dos
serviços secreto e de segurança).
Estes assumiram cargos de importância na política russa desde
2000, ajudando Putin, antigo chefe da FSB (a sucessora da KGB), a
montar sua base de poder pessoal.
Boa parte dos "siloviki" faz parte
do chamado "grupo de São Petersburgo", cidade na qual Putin
trabalhou em seu tempo de FSB.
Contudo, como ressaltou Mendelson, "Putin tem de desempenhar os dois papéis", buscando
"convencer a comunidade internacional de que é um liberal internacionalista sem descontentar a
significativa parcela nacionalista
da população da Rússia".
Não faltam desafios para seu segundo mandato. Os dois principais, segundo Fiona Hill, do Instituto Brookings (EUA), são a reforma das Forças Armadas e a do
sistema de saúde e de pensões.
"Trata-se do fim de dois monstros sagrados da era comunista. O
Exército está num estado deplorável, e os militares ganham muito mal, além de sofrerem abusos
de seus superiores. Já o sistema de
saúde não tem mais como financiar-se. Trata-se de reformas impopulares, mas Putin não poderá
deixar de fazê-las", explicou Hill.
O presidente promete reduzir a
disparidade social, porém isso
não será fácil. "Não sei se ele tem
vontade política para tanto. Em
seu governo, os "antigos oligarcas"
foram substituídos por seus aliados, que se tornaram os "novos
oligarcas'", apontou Yudaeva.
Tchetchênia
Para o megacampeão de xadrez
Garry Kasparov, que, recentemente, fundou um movimento
político por "eleições livres em
2008", o maior problema da campanha é que a guerra na Tchetchênia "foi esquecida". "A mídia
não toca no tema. É como se ninguém falasse da Guerra do Iraque
na disputa eleitoral americana."
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