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Governos, candidatos e organizações não-governamentais encontram nos jogos eletrônicos um novo meio de propaganda
Vídeo game & política
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
O videogame é um dos meios
eletrônicos cujo mercado mais
cresce no mundo. Governos, candidatos e grupos que militam pelas mais variadas causas já dedicam atenção especial ao potencial
dos jogos como ferramenta de comunicação política e conquista de
novos adeptos às suas campanhas.
Pode-se dizer que os EUA estão
na vanguarda do desenvolvimento dos games como veículo de
propaganda. Com alto poder
aquisitivo, 60% da população da
superpotência (cerca de 170 milhões de pessoas) jogam algum tipo de videogame com frequência.
A receita com a venda de jogos
eletrônicos no país tem crescido
exponencialmente -segundo
projeções, deve atingir US$ 7,4 bilhões em 2004 (em 2001, foi de
US$ 5,9 bilhões).
É com base nessas estatísticas
que as Forças Armadas americanas, em parceria com empresas
de software, desenvolveram o jogo para computador America's
Army (Exército dos EUA).
Num momento em que a segurança interna e operações contra
o terrorismo no exterior encabeçam a agenda do presidente George W. Bush, a cúpula militar decidiu produzir e distribuir gratuitamente esses CDs.
O novo game servirá como um
anúncio publicitário interativo.
Deixam a cena os velhos panfletos
e outdoors na linha "America
needs you" (a América precisa de
você). Entra em seu lugar um game que, ao oferecer aos jovens
uma amostra grátis da adrenalina
do campo de batalha, poderia
atuar como isca para aumentar o
volume do recrutamento.
Se vai servir aos interesses do
Pentágono ou não só saberemos a
partir de agosto, quando America's Army começa a sair encartado em revistas especializadas e a
ser distribuído em centros de recrutamento militar.
O uso propagandístico dos games, por enquanto, ainda é sobretudo restrito a jogos alternativos,
distribuídos via internet, muitas
vezes elaborados com ferramentas simples e recursos financeiros
limitados.
Os gigantes dessa indústria, como os japoneses da Sony (fabricante do Playstation) e da Nintendo ou os americanos da Microsoft, se dedicam a fazer produtos
dentro de uma lógica comercial.
O teor político ainda não "contaminou" os seus games mais famosos, desenvolvidos dentro de
uma grande lógica: a do mercado.
Para essas corporações, bons são
os joguinhos que vendem muito e
em todas as partes (principalmente EUA, Europa e Ásia), pouco importando que tipo de valores eles transmitem aos usuários.
Assim mesmo, as novas idéias
sempre costumam partir do "underground", antes de serem adaptadas pelos políticos à procura de
novos meios para conquistar seus
objetivos.
Um exemplo disso, não por acaso, também vem dos EUA: o governador do Minnesota, o ex-astro da luta livre Jesse Ventura, tinha planos de lançar um game
que serviria como propaganda
eleitoral para a sua reeleição.
Seus assessores não revelaram
como seria esse jogo -e, recentemente, Ventura disse ter desistido
de voltar a concorrer ao cargo. O
que não invalida a sua idéia, que
possivelmente será copiada por
outros candidatos mundo afora.
Ventura, aliás, surpreendeu o público americano ao se eleger em
1998 concorrendo como um independente -um dos trunfos daquela campanha foi o bom aproveitamento da internet, um meio
até então pouco desbravado pelos
políticos tradicionais.
"Num ambiente superlotado de
mídia, inovar é preciso", disse à
agência Associated Press Joseph
Turow, professor de comunicações da Universidade da Pensilvânia, indagado sobre o uso de games em campanhas eleitorais. "Se
você pode inovar, particularmente se é para atingir eleitores mais
jovens ou sem afiliação política,
isso é ótimo."
Game antiglobalização
"Há jogos neonazistas, religiosos e aqueles relacionados a políticos ou partidos específicos", observa Andrew Reynolds, jornalista e consultor britânico especializado em games e novas tecnologias, comentando à Folha o variado leque de games "políticos" que
têm surgido.
Ele aponta também para o aumento da produção dos "games
satíricos" -criados com tecnologia simples e quase sempre disponíveis na internet. "[Esse jogos]
costumam ironizar de alguma
questão ou pessoa específica."
É o que faz, de forma bem elaborada, State of Emergency (estado de emergência), um dos únicos casos de jogo eletrônico disponível para uma grande marca
de consoles (o novo Playstation 2,
30 milhões de unidades vendidas
no mundo até maio) com temática escancaradamente política.
Nele, você assume o papel de
um "agente da liberdade" enfrentando as grandes corporações que
controlam a globalização. É uma
forma de despertar nos jovens a
curiosidade de entender por que
motivos centenas de militantes se
dispõem a tomar cacetadas e
bombas de gás lacrimogêneo da
polícia toda vez que há encontros
de órgãos multilaterais como a
Organização Mundial do Comércio (OMC) ou o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Desenvolvido por uma empresa
escocesa, a Rockstar, "State of
Emergency" sofreu pressões após
os atentados de 11 de setembro
para "suavizar" o seu conteúdo.
Com o nacionalismo à flor da pele, os americanos não engoliam
mais o fato de o vilão do jogo ser
apresentado como a "American
Trade Organization" (organização americana de comércio). Temendo um boicote nos EUA, os
criadores rebatizaram o inimigo
com um nome neutro, "The Corporation" (a corporação).
Vale destacar que, embora com
um subtexto de teor potencialmente subversivo e questionador
do sistema capitalista, "State of
Emergency" se inspira na anarquia dos episódios de Seattle, Praga e Gênova na tentativa de criar
um jogo divertido e, obviamente,
capaz de atrair os consumidores.
Como afirmou a jornalista e escritora canadense Naomi Klein, a
Rockstar de certa forma sequestrou a temática do movimento
antiglobalização em benefício de
seus propósitos corporativos, que
obedecem a uma ordem global
voltada ao lucro a todo custo.
Eficácia questionada
Como em toda nova tecnologia,
ainda há dúvidas sobre a eficácia
do uso político dos games. Como
afirma o diretor do Programa de
Estudos de Mídia Comparada do
Massachussetts Institute of Technology (MIT), Henry Jenkins, os
games são mais convincentes
"quando confirmam aquilo que já
acreditamos, e muito menos eficazes na tarefa de mudar a nossa
atitude e comportamento".
"Isso porque qualquer jogo que
rompe muito drasticamente com
nossa percepção da realidade tem
a chance de ser classificado de
exagerado ou fantasioso." Na opinião de Jenkins, a natureza interativa dos jogos eletrônicos dificulta
o seu uso com fins de propaganda
ideológica. O rádio e a TV, que
contam necessariamente com a
passividade de seus ouvintes e espectadores, são meios que funcionam melhor nesse papel, diz ele.
O que não significa que os games devem ser descartados por
aqueles que buscam inovações no
mundo da política. Pelo contrário: o seu uso, ainda incipiente,
deve ganhar importância à medida que novas descobertas permitirem uma total confluência de
meios como a televisão com a internet de banda larga.
Quando isso ocorrer -na verdade já vem ocorrendo-, milhões de pessoas em distintas localidades jogarão em rede games
de alta definição. Os jogos ajudarão a formar seus valores e, quem
sabe, conquistarão os seus votos.
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