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ARTIGO
O seriado "24 Horas" na vida real
FRANK RICH
DO "NEW YORK TIMES"
Sabemos como se parece
uma Casa Branca criminosa
graças a "The Final Days", o
clássico relato do desmoronar
de Richard Nixon escrito por
Bob Woodward e Carl Bernstein. O caldeirão de mentiras,
paranóia e espionagem ilegal
ferveu e derramou, até que, no
final, era "cada um por si".
"The Final Days" foi publicado em 1976, dois anos depois de
Nixon abdicar da Presidência.
No caso da Presidência Bush,
nenhum jornalista está esperando até o cadáver ser levado
embora. A mais recente ilustração disso está sendo lançada esta semana por Jane Mayer, da
"The New Yorker", que há anos
cobre o emprego da tortura na
guerra ao terror.
Alguns trechos de seu livro,
"The Dark Side", parecem saídos de "The Final Days". Ficamos sabendo, por exemplo, que
em 2004 dois funcionários republicanos do Departamento
de Justiça tinham ficado "tão
paranóicos" que "chegaram a
pensar que poderiam estar correndo perigo físico". Com medo
de serem grampeados, passaram a falar em código.
Os homens em questão eram
o vice do secretário de Justiça
John Ashcroft, James Comey, e
um secretário de Justiça assistente, Jack Goldsmith. O pecado deles tinha sido desafiar o
"chefão mafioso" da Casa Branca, [o vice-presidente] Dick
Cheney, e seu homem de confiança, David Addington, quando estes desrespeitaram a Convenção de Genebra, convertendo a tortura em lei extra-oficial.
Comey e Goldsmith já deixaram a Casa Branca há tempo.
Mas o vice-presidente Cheney
e David Addington ainda exercem seus cargos, graças a um
presidente, um secretário da
Justiça (Michael Mukasey) e
um diretor da CIA (Michael
Hayden) que, mesmo agora, se
recusam a excluir a tortura de
maneira terminante.
De acordo com o retrato da
Casa Branca traçado por Mayer, o presidente é uma figura
secundária, até passiva, e os
motivos citados por Cheney para restaurar os poderes do Executivo em estilo Nixon são, teoricamente, desinteressados.
Dominados pelos cenários vistos no seriado televisivo "24
Horas", eles apenas querem
proteger os EUA de outros ataques terroristas.
Mas será que estamos realmente em segurança? Neste
verão [do hemisfério Norte] em
que a Al Qaeda e o Taleban reganham força, essa pergunta é
ainda mais urgente que as
questões morais e legais concernentes à tortura.
A declaração de Bush em
2005 de que "nós não torturamos" já foi exposta como mentira faz tempo. Antonio Taguba, o general da reserva que investigou para o Exército os
abusos contra detentos, concluiu que "já não há dúvida alguma" de que "foram cometidos crimes de guerra".
Jane Mayer trouxe à tona outro veredicto condenatório: investigadores da Cruz Vermelha
afirmaram à CIA em 2007 que
os EUA vêm praticando tortura
e estão suscetíveis a acusações
por crimes de guerra.
Figuras do alto escalão do governo Bush começaram a ficar
com as mãos suadas, inseguras
sobre onde deixaram suas impressões digitais. Tanto se especula que processos por crimes de guerra serão abertos em
tribunais estrangeiros ou internacionais que Lawrence Wilkerson, o ex-chefe do Estado-Maior do [ex-secretário de Estado] Colin Powell, já aconselhou publicamente funcionários e ex-funcionários do governo a "nunca viajarem para fora,
exceto, possivelmente, para a
Arábia Saudita ou Israel".
Enquanto esperamos a ação
lenta da justiça, há temores
imediatos aos quais voltar nossa atenção. O livro de Jane Mayer reforça o argumento de que
o emprego da tortura pelos
EUA não apenas traiu os valores americanos, mas também
enfraqueceu nossa segurança
nacional e continua a fazê-lo.
Na realidade, a tortura pode
estar possibilitando ataques futuros, e não apenas porque fotos de Abu Ghraib vêm sendo
usadas por jihadistas para recrutamento. Não menos destrutivas são as confissões falsas
obtidas de presos torturados. A
avalanche de informações errôneas desde o 11 de Setembro
vem prejudicando os julgamentos de suspeitos, deixando
outros culpados escapar e fazendo os militares americanos
partir em buscas inúteis.
É por isso que, em última
análise, a corrupção da Casa
Branca de Bush supera a de Nixon. Agora, o crime é pior que
seu acobertamento, e o castigo
pode recair sobre todos nós.
Tradução de CLARA ALLAIN
Frase
"A tortura pode
estar possibilitando
ataques futuros, e não
apenas porque fotos de
Abu Ghraib vêm sendo
usadas por jihadistas
para recrutamento. Não
menos destrutivas são
as confissões falsas
obtidas de torturados"
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