São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

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Rússia ocupa zona-tampão em terra georgiana

DA REDAÇÃO

Resguardada pela vaguidão dos termos do cessar-fogo selado na véspera com a Geórgia, a Rússia ontem enviou unidades de infantaria para Gori, a 30 km da região separatista da Ossétia do Sul e ponto estratégico no território georgiano. Ali, demoliu bases militares abandonadas e criou uma "zona-tampão" ao redor da área conflagrada, no que Tbilisi denuncia como violação do acordo.
Com a decisão, Moscou deixa claro que, apesar do fim oficial dos combates, fará o que julgar preciso para cumprir seu objetivo militar: expulsar as forças georgianas da Ossétia do Sul e da Abkházia, a outra área autônoma do país, e anular seu poder de fogo contra os encraves.
A invasão da Ossétia do Sul pela Geórgia, há uma semana, e a resposta da Rússia deixaram saldo estimado por Moscou em 1.600 mortos e, pela ONU, em 100 mil refugiados e deslocados. O vice-primeiro-ministro russo Sergei Ivanov, em entrevista à BBC, ontem equiparou a reação do Kremlin à da Casa Branca em 2001.
"Qualquer país civilizado faria o mesmo. No 11 de Setembro, a reação foi semelhante."
O movimento ontem incitou medos na Europa e nos EUA de que a Rússia viole o acordo mediado pela França em nome da União Européia. O texto aceito pelos presidentes russo, Dmitri Medvedev, e georgiano, Mikhail Saakashvili, pede o recuo das forças às posições anteriores ao início do conflito.
Mas abre uma brecha: "Enquanto esperam por um mecanismo internacional, as forças russas de manutenção da paz podem implementar medidas adicionais de segurança temporariamente". Sem fixar limite para as "medidas adicionais", o texto acaba permitindo a Moscou não só manter tropas estacionadas na Ossétia do Sul e na Abkházia como criar um cinturão em torno delas.
Além de Gori, os russos mantêm tropas em Senaki, ao sul da Abkházia -o que, diz um agente de inteligência dos EUA citado pela Associated Press, indica que a presença será longa.
"O documento de paz com que os dois lados concordaram estava claramente aberto a interpretações díspares", lembra o "Financial Times". Isso em um cenário no qual, para usar a avaliação sem meias-palavras da agência estatal russa Interfax, "o acordo de seis pontos, alterado para cumprir as demandas russas, é amplamente visto como tendo deixado Saakashvili em uma posição muito mais fraca do que antes de sua tentativa de tomar a Ossétia do Sul".

Tropas de paz
As unidades que atacaram as bases em Gori -cidade que já tivera alvos estratégicos bombardeados- possuem até 30 veículos blindados. Repórteres do "Guardian" e da BBC citam caminhões militares russos nas estradas adjacentes. Saakashvili acusou os russos de rumarem para a capital, Tbilisi, o que foi negado por Moscou e, depois, por seu próprio gabinete.
Autoridades locais também afirmaram que navios russos afundaram quatro embarcações militares georgianas no porto de Poti, no mar Negro, enquanto o Kremlin afirma ter abatido na zona de conflito dois aviões-espiões georgianos. Nenhum dos episódios foi confirmado de forma independente nem pelo lado oposto.
A discussão sobre o que constitui um avanço russo -e uma violação do cessar-fogo- se torna ainda mais nebulosa porque a Rússia tem, sob acordo de 1992 que deu autonomia às regiões separatistas, tropas de manutenção da paz na Ossétia do Sul e na Abkházia. O chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que os movimentos das tropas ontem visavam dar apoio a esse contingente de paz -aliás, preservado no cessar-fogo.
A Geórgia quer a missão russa substituída ou, no mínimo, acompanhada por uma força internacional neutra. Segundo Lavrov, a Rússia não tem objeções ao envio de tropas internacionais, mas o Kremlin não quer nenhuma mudança significativa em seu mandato.
Por fim, há o debate sobre o status das duas regiões separatistas, ponto no qual Lavrov voltou a insistir e que, a pedido de Tbilisi, foi suavizado no acordo, que cita "negociações sobre modalidades de segurança e estabilidade". Como também não foi incluída a menção pedida pela Geórgia à sua "integridade territorial", há margem de manobra para os dois lados.


Com agências internacionais, "Financial Times" e "The New York Times"


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