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ORIENTE MÉDIO
Impasse envolvendo eleição revela disputa na ala conservadora entre grupos de pragmáticos e dogmáticos
Crise no Irã expõe cisão entre conservadores
DA REDAÇÃO
A atual crise política no Irã explicita o esforço dos conservadores para retomar o controle do
Majlis (Parlamento), dominado
pelos liberais desde 2000, porém
não marca o início de um movimento maior -que poderia pôr
em xeque o futuro do regime islâmico-, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Para Shireen Hunter, autora de
"Iran and the World: Continuity
in a Revolutionary Decade" (Irã e
o mundo: continuidade numa década revolucionária), a situação
revela uma divisão antiga, mas
pouco perceptível, existente no
campo conservador. "Há a linha
dura, composta pelo grupo comandado por Ali Khamenei [o líder supremo do país], e a ala conservadora mais liberal, cuja figura
de ponta é o ex-presidente Hashemi Rafsanjani [1989-97]."
Já Olivier Roy, do Instituto de
Estudos Políticos de Paris, divide
os conservadores em dois grupos:
os dogmáticos e os pragmáticos.
"Os conservadores pragmáticos
precisam de uma maioria confortável no Parlamento", disse, referindo-se ao projeto dessa ala de
reformar o regime iraniano lentamente, com a anuência do Majlis.
Assim, a crise atual expôs um
racha no campo conservador. Foi
por isso que o Conselho de Guardiães, órgão que zela pelo respeito
à Constituição no Irã, decidiu bloquear a candidatura de mais de
2.500 reformistas a postos no Parlamento, segundo Hunter.
"Embora tenham sido apontados por Khamenei, os 12 membros do conselho [seis clérigos e
seis juristas] nem sempre chegam
a um consenso. É provável que a
maioria deles tenha imaginado
que fosse preciso reconquistar a
maioria no Parlamento a qualquer custo para introduzir a reforma gradualmente", avaliou a
diretora do programa sobre o islã
do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
De fato, antes do pleito legislativo de 2000, quando os reformistas
ainda eram minoritários no Majlis, o Conselho de Guardiães vetou apenas 8% dos pedidos de
candidatura. Desta vez, o órgão
aprovou 5.627 candidatos de um
total de 8.144, de acordo com a
agência de notícias oficial. Ou seja, quase 31% dos pedidos de candidatura foram negados.
Ironicamente, o impasse pôs os
protagonistas da cena politica iraniana, Khamenei e o presidente
Mohammad Khatami, em dificuldade. Khamenei viu uma ordem
expressa sua ser desrespeitada pelo Conselho de Guardiães. Afinal,
ele dissera ao órgão que o veto "à
maioria dos pedidos de candidatura" deveria ser reavaliado.
O clérigo Khatami alertou a linha dura para o perigo de afastar
os jovens da Revolução Islâmica,
que completou 25 anos na última
quarta-feira, ao impedir a realização da reforma política. Mesmo
assim, o presidente, que é um reformista moderado, afirmou que
seu partido participará da eleição.
Com isso, desagradou profundamente a boa parte de seus colegas liberais. Afinal, a maioria deles pretende boicotar a eleição por
considerar, como já afirmou Mohammad Reza Khatami (irmão
do presidente e líder do maior
bloco reformista do país, a Frente
de Participação do Irã Islâmico),
que ela "não será livre nem justa".
"Khatami não está com os liberais radicais. Assim, é claro que
eles estão se distanciando do presidente. Porém eles não conseguem mais atrair o apoio da população, sobretudo dos jovens,
que seria decisivo para realmente
pesar na cena política iraniana.
Por outro lado, ao menos aos
olhos dos jovens reformistas, a legitimidade de Khatami foi muito
minada", avaliou Fariba Adelkhah, do Centro de Estudos e de
Pesquisas Internacionais (Paris).
Como o Irã vive uma crise institucional desde a conquista do
Parlamento pelo campo reformista, Khatami deveria ter aderido ao
boicote se quisesse reaver sua popularidade de 2001, quando obteve uma reeleição incontestável.
"Se houvesse uma crise constitucional, com Khatami e os governadores das Províncias se recusando a organizar a eleição, a população poderia sublevar-se. Mas
não creio que os principais líderes
reformistas queiram esse desfecho, que poria em risco a unidade
da nação", analisou Hunter.
De fato, embora pretendam
boicotar o pleito, mesmo os liberais mais radicais evitam exortar a
população a deixar de votar, pois
isso poderia ser considerado um
crime eleitoral. "Reza Khatami é
um líder reformista radical, porém não pretende dar início a
uma revolução. No futuro próximo, ele continuará sendo apenas
um oposicionista radical, nada
mais, já que não toma atitudes decisivas", explicou Saeid Zahed, da
Universidade de Shiraz (Irã).
Jovens e estudantes
O ponto de inflexão da crise poderia ser a adesão dos estudantes
ao protesto dos liberais. Contudo
essa perspectiva é pouco provável
atualmente, visto que os jovens se
decepcionaram com o campo reformista. "A ausência de progresso no que concerne às reformas
afastou os jovens dos liberais. Afinal, eles não mais acreditam que
os líderes atuais possam conduzir
a transformação política de que o
país precisa", disse Hunter.
Para Roy, as ações futuras dos
jovens reformistas dependerão
do modo como os conservadores
pragmáticos conduzirão a política iraniana após sua provável reconquista da maioria do Majlis.
"Tudo dependerá do modo como os conservadores agirão após
a eleição. Uma vez reconquistada
a maioria no Parlamento, eles poderão lançar uma ofensiva para
retomar as rédeas da sociedade
ou, em vez disso, inserir na pauta
do Legislativo um programa de
reformas condizente com seus
princípios e respeitador de sua
posição política", apontou Roy.
Assim, se a primeira possibilidade for privilegiada pelos conservadores, a situação poderá
agravar-se substancialmente. Não
se sabe se os jovens querem simplesmente pôr fim ao regime islâmico, mas é certo que eles anseiam uma abertura política. Cerca de 60% da população iraniana
tem menos de 30 anos de idade.
Anteontem, Khamenei exortou
a população a dar um "tapa no
rosto" dos inimigos do Irã, comparecendo em massa às urnas.
Analistas prevêem, porém, que o
nível de abstenção deva ser alto
-só 15% dos eleitores votaram
no último pleito municipal, em
2003. Mais do que nunca, caberá
ao eleitorado escolher seu campo.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
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