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Liberais não são revolucionários, diz especialista
DA REDAÇÃO
A ausência de uma participação
popular mais clara na crise política iraniana tem duas razões: primeiro, os liberais não são revolucionários, como pensam alguns
analistas; segundo, a população
não confia mais nos reformistas.
A análise é de Olivier Roy, diretor do Laboratório Mundo Iraniano do Centro Nacional da Pesquisa Científica (França) e co-autor
de "Iran: Comment Sortir d'une
Révolution Religieuse?" (Irã: como sair de uma revolução religiosa?). Leia trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
(MSM)
Folha - Como o sr. analisa o estágio atual da crise política iraniana?
Olivier Roy - Claramente, trata-se de uma ofensiva dos conservadores para restringir o número de
liberais que participarão da eleição. O objetivo da linha dura é, indubitavelmente, reconquistar a
maioria no Parlamento, perdida
na eleição legislativa de 2000.
Não se trata de dizer que a presença dos reformistas incomoda
realmente os conservadores, mas
a situação política está bloqueada.
Ou seja, no sistema de coabitação
iraniano, em que há o bloco conservador no comando do lado
mais importante do poder e os liberais à frente do Parlamento,
não há nenhuma possibilidade de
colaboração entre as duas partes.
Há duas categorias de conservadores: os dogmáticos, como o líder supremo [Ali Khamenei], que
não suportam a oposição por
princípio, e os pragmáticos, como
o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que crêem que a reforma do
regime seja necessária, mas querem introduzi-la à sua maneira,
paulatinamente. Para tanto, os
conservadores pragmáticos precisam de uma maioria confortável
no Parlamento.
Folha - A situação do presidente
Mohammad Khatami tornou-se
quase insustentável, não é?
Roy - Sem dúvida, já que há um
bloqueio institucional desde que
ele foi eleito presidente, em 1997, e
seu projeto de reformas não sai do
papel. Seu maior problema é que
ele concordou com a realização
da eleição, dividindo o campo reformista, e, com isso, não haverá
uma crise constitucional no país.
Neste momento, a única verdadeira crise possível só poderá ser
desencadeada pela população por
meio de protestos maciços. Por
ora, não constato essa tendência
entre os jovens iranianos. Assim,
no fundo, podemos concluir que
os liberais não contam com o
apoio das ruas ou ou que eles não
querem conclamar o povo a agir.
Folha - Por que os liberais não
exortam a população a apoiar seus
esforços por meio de protestos?
Roy - Há duas razões: primeiro,
os liberais não são revolucionários, como pensam alguns analistas; segundo, a população não
confia mais nos reformistas, estando decepcionada com a demora na introdução do projeto de reformas prometido por Khatami.
Com isso, deveremos assistir a
um altíssimo nível de abstenção.
Em eleições regionais realizadas
no ano passado, só 15% dos eleitores compareceram às urnas. Na
eleição legislativa de 2000, mais de
70% fizeram questão de votar.
Folha - Sim, mas a ação dos jovens reformistas não deverá limitar-se ao boicote ao pleito. O que
mais eles poderão fazer?
Roy - Tudo dependerá do modo
como os conservadores agirão
após a eleição. Uma vez reconquistada a maioria no Parlamento, eles poderão lançar uma ofensiva para retomar as rédeas da sociedade ou, em vez disso, inserir
na pauta do Legislativo um programa de reformas condizente
com seus princípios e respeitador
de sua posição política.
A ala conservadora comandada
por Rafsanjani tem a intenção de
introduzir a reforma para poder
controlá-la a seu modo. O ex-presidente ainda desempenha um
papel muito importante nos bastidores, comandando um bloco
conservador importante.
Folha - Alguns analistas ocidentais crêem que estejamos diante do
início do fim do regime islâmico.
Qual é sua opinião a respeito disso?
Roy - Trata-se de uma crise muito grave. Todavia nada garante
que assistamos agora ao início do
fim do regime islâmico nem que
haja um levante popular, condição "sine qua non" hoje para uma
mudança de regime no Irã. Assim, prefiro tomar cuidado com
previsões espetaculosas, já que a
questão é bastante complexa.
Folha - Há alguns dias, vimos
muitos jovens na comemoração
dos 25 anos da Revolução Islâmica.
Por que a mídia ocidental tende a
dizer que os jovens são, em sua esmagadora maioria, pró-reforma?
Roy - É um erro comum pensar
que o regime é autoritário e, portanto, não tem uma base de apoio
popular. É verdade que essa base
só constitui cerca de 30% da população. Todavia 30% de quase 70
milhões de pessoas são um número bastante significativo, o que
permite que os conservadores
reúnam milhares ou até milhões
de pessoas em alguns eventos.
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