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Ação preventiva fere lei internacional, dizem analistas
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Ainda que os atentados de 11 de
setembro de 2001 tenham motivado os EUA a buscar uma nova lógica para as regras internacionais,
a doutrina de ataques preventivos
proposta pelo presidente George
W. Bush viola expressamente o
atual conjunto de normas que regem a relação entre os Estados, as
quais restringem o direito à autodefesa e reservam ao Conselho de
Segurança da ONU o poder de decidir o uso da força.
Essa é a opinião da maioria dos
especialistas em direito internacional nos EUA, para quem os esforços da Casa Branca para obter
uma resolução do conselho para
atacar o Iraque podem poupá-la
de uma discussão jurídica que lhe
é altamente desfavorável .
Eles lembram, no entanto, que
os EUA não correm o risco de sofrer sanções por terem direito de
veto no próprio Conselho de Segurança.
Portanto, a discussão sobre a legalidade de seus atos tem natureza essencialmente política, e não
jurídica. Além disso, admitem
que, no caso específico do Iraque,
existem formas de respaldar legalmente um ataque preventivo
usando resoluções anteriores da
própria ONU.
Mas dizem que essas formas são
frágeis, e a Casa Branca tem conhecimento disso, já que o próprio governo americano condenou vigorosamente o uso preventivo da força durante casos clássicos do pós-guerra: em 1981, quando Israel destruiu o reator nuclear
em Osiraq, no Iraque; e em 1956,
quando Reino Unido, França e Israel, num ataque preventivo, retomaram o canal de Suez, do Egito.
No caso do reator iraquiano,
quando a relação entre os EUA e o
Iraque era amena, os argumentos
da Casa Branca foram enfaticamente contrários aos utilizados
por ela agora.
À época, os EUA alegaram que
Israel não poderia invocar o direito à autodefesa conferido pela
ONU por não ter sido atacado pelo Iraque. Além disso, os EUA
opinaram que, se generalizada, a
prática de ataques unilaterais preventivos poderia levar o mundo
ao caos.
Israel defendeu-se em 1981 dizendo que as leis internacionais
não são pactos suicidas e que o
exercício do direito de defesa só
pode ser preventivo quando a
ameaça envolve armas de destruição em massa.
Desde os eventos do ano passado, os EUA passaram a adotar as
mesmas razões manifestadas por
Israel em 1981. No entanto, como
disseram vários especialistas à Folha, o estatuto da ONU ainda se
baseia nos princípios da "contenção" e da "dissuasão".
O capítulo 7 do estatuto reconhece o direito de autodefesa dos
países (individual ou coletivamente), mas condiciona qualquer
outra forma de ação militar à autorização do Conselho de Segurança.
Estado de guerra
Uma alternativa da Casa Branca
no caso do Iraque seria argumentar que a resolução 687 do Conselho de Segurança da ONU, que
definiu os termos do cessar-fogo
na Guerra do Golfo, em abril de
1991, dá aos EUA respaldo para
atacar novamente o Iraque, desta
vez de forma preventiva.
A resolução exigiu do ditador
Saddam Hussein a eliminação de
todas as armas de destruição em
massa, o reconhecimento das
fronteiras do Kuait e o fim da perseguição à população iraquiana
xiita e curda.
"Quando o Iraque viola as condições do cessar-fogo, o estado de
guerra é imediatamente restaurado", afirmou Ruth Wedgwood,
professora de direito da Universidade de Yale. "Dessa maneira, o
direito original dos EUA - e da
comunidade internacional- de
atacar o Iraque para preservar a
paz e a segurança na região é reativado."
Essa mesma lógica já fora invocada contra o Iraque em dezembro de 1998, quando os EUA e o
Reino Unido lançaram a maior
ofensiva militar contra Saddam
desde a Guerra do Golfo, matando cerca de 70 pessoas e instigando um debate legal muito parecido com o que se desenvolve atualmente.
Aquele ataque fora conduzido
sob o fundamento legal de que,
como Saddam violara zonas de
exclusão aérea, um novo bombardeio poderia ser legitimado pelo
mandato original do Conselho de
Segurança, expedido sete anos
antes.
As zonas de exclusão haviam sido impostas pelos EUA e pelo
Reino Unido logo após a guerra
de 1991, para obrigar o Iraque a
respeitar os termos do cessar-fogo.
Rússia, China e França, membros permanentes do Conselho
de Segurança que haviam apoiado os EUA na Guerra do Golfo,
condenaram os ataques de 1998 e
consideraram frágeis os argumentos que, sob a ótica do presidente dos EUA à época, Bill Clinton, o legitimariam.
Ainda que a resolução 687 não
tenha eliminado a autorização para o uso da força concedida anteriormente - e com isso tenha,
em tese, permitido novos ataques
-, os três países divergiram dos
EUA e do Reino Unido usando
dois argumentos: as zonas de exclusão não faziam parte dos termos do cessar-fogo; e, mesmo se
o acordo de paz tivesse sido flagrantemente violado pelo Iraque,
o Conselho de Segurança da ONU
precisaria conceder nova autorização para legitimar outro ataque.
Poder de decisão
"É óbvio que um ataque preventivo seria ilegal, mesmo no caso
do Iraque", disse Hurst Hunnum,
da Fletcher School of Law and Diplomacy. "A resolução do cessar-fogo reserva exclusivamente ao
Conselho de Segurança, e não a
países individualmente, o poder
de decidir se o cessar-fogo foi ou
não violado."
Há outros obstáculos legais no
caminho dos EUA. A comunidade e as normas internacionais tendem a ser elásticas em casos de
ação preventiva quando um país
estiver sob a mira óbvia e iminente de um ataque. Ainda assim, a
autodefesa deve ser exercida de
forma comedida.
O problema é que, como Bush já
deixou claro seu desejo de mudar
o regime no Iraque -e não somente o de eliminar as armas de
destruição em massa-, é improvável que os EUA atuem de forma
comedida.
"Os EUA acreditam que haja
uma distância enorme entre o
mundo pós-11 de setembro e os
estatutos da ONU", diz Anthony
Clark Arend, professor da Universidade de Georgetwon.
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