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ARTIGO
Os EUA precisam unir o mundo, não dividi-lo
BILL CLINTON
A realidade central do mundo
no século 21, conforme deixam
claro a expansão do terrorismo e a
vulnerabilidade dos Estados Unidos a ele, é que nosso mundo é
globalmente interdependente,
mas está longe de ser integrado.
Aprendemos em 11 de setembro
de 2001 que as próprias forças da
globalização que ajudamos a criar
-fronteiras abertas e livre comércio, facilidade para viajar, comunicações instantâneas, transferências instantâneas e acesso
ampliado às informações e à tecnologia- podem ser usadas para
construir ou para destruir, para
unir ou para dividir.
Ao mesmo tempo, divergências
antigas assumiram uma urgência
assustadora, especialmente o impasse violento no Oriente Médio e
o conflito entre Índia e Paquistão
em torno da Caxemira.
Para podermos progredir nesses e em outros desafios globais,
será preciso desenvolver uma estratégia mais ampla para a política externa americana, estratégia
essa que tenha suas raízes num
compromisso fundamental de fazer o mundo avançar da interdependência rumo a uma comunidade global integrada e comprometida com a paz, a prosperidade, a liberdade e a segurança.
No cerne de todas essas lutas
existe uma batalha global em torno de idéias, especialmente no
mundo islâmico, onde rivalidades
fundamentalistas distorceram a
religião de modo a justificar o assassinato de inocentes por meio
de suicídio, como se fosse uma
ferramenta política legítima
abençoada por Allah.
Essa batalha épica gira em torno
de três dúvidas muito antigas e
fundamentais: podemos ter comunidades inclusivas, ou elas
precisam necessariamente ser excludentes? Podemos ter um futuro comum, ou nossos futuros serão obrigatoriamente separados?
Podemos ser donos da verdade
inteira, ou devemos nos unir a outros na busca pela verdade?
Esses dilemas representam possivelmente os mais duradouros
enigmas da história humana: é
possível as pessoas basearem sua
identidade principalmente em associações positivas, ou o sentido
da vida também requer que sejam
traçadas comparações negativas
com outros? Desde a época em
que o homem saiu das cavernas e
começou a formar clãs, sua identidade tinha raízes tanto em associações positivas com outros semelhantes a ele quanto em visões
negativas daqueles que viviam fora de sua comunidade. Esse tipo
de autodefinição vem dominando
as sociedades humanas durante a
maior parte dos mais de 6.000
anos de história das civilizações.
Apesar de todos os avanços
conquistados no passado, quase
destruímos o planeta na primeira
metade do século 20. A idéia de
uma comunidade global de membros cooperantes só foi institucionalizada com a fundação da
ONU, em 1945. Sua concretização
só se tornou possível, em termos
práticos, quando, na década de
1970, a China decidiu aproximar-se do resto do mundo e, em 1989,
o Muro de Berlim caiu por terra.
Desde então, o mundo vem sendo
consumido por conflitos religiosos, raciais, étnicos e tribais.
Está claro que a hostilidade e a
violência entre povos distintos
não é algo que seja geneticamente
previsto. As pessoas podem desconfiar mutuamente do ""outro",
mas precisam ser ensinadas e lideradas para que matem. Nosso
desafio é descobrir uma maneira
pela qual as pessoas possam desfrutar os benefícios e a identidade
de suas comunidades distintas e,
ao mesmo tempo, integrar comunidades maiores, com sucesso. A
União Européia constitui um
exemplo brilhante de como antigos inimigos podem conservar
suas identidades nacionais e,
mesmo assim, tornar-se aliados
estreitos.
Uma idéia de comunidade requer a crença num futuro compartilhado, não separado -um
futuro no qual cada um tenha seu
papel a cumprir, cada um tenha
sua importância própria e todos
nós nos saiamos melhor quando
ajudarmos uns aos outros.
A crença num futuro compartilhado exige que se rejeite a alegação fundamentalista radical de
que se possui a verdade inteira,
dando preferência à idéia de que a
vida é uma viagem em busca da
verdade e que todos nós temos algo a contribuir para ela. Isso nos
leva ao cerne daquilo que valorizamos na comunidade global integrada: nossas diferenças são importantes, mas nossa condição
humana comum é mais importante do que elas.
O desafio dos radicais islâmicos
encarna todas essas questões fundamentais. As pessoas que
apóiam Osama bin Laden e acreditam em sua visão do mundo
querem comunidades excludentes, e não inclusivas. Elas fazem
questão de um futuro separado,
baseado em sua versão própria da
verdade. Todos esses elementos
estão na base do conflito entre Índia e Paquistão e da divisão entre
israelenses e palestinos. Os grupos violentos com reivindicações
exclusivas a um futuro separado
são ativos na Indonésia, nas Filipinas, na Colômbia e em outras
regiões.
O mundo político e ideológico
precisa fazer o que o mundo econômico já fez: desenvolver uma
consciência global que abra espaço para a inclusão, para um futuro
compartilhado e uma busca cooperativa pela verdade.
Esse não é, como afirmam alguns, um conceito ocidental. A
economia que cresce mais rapidamente no Oriente Médio é a de
Dubai, um Estado muçulmano
que chega ao ponto de buscar residentes vindos de outros países e
que, sem alarde, vem se integrando ao mundo moderno. Os líderes de Dubai optaram por um futuro compartilhado, baseado nas
possibilidades de amanhã.
Transformar essas idéias em
ações levará tempo e exigirá mais
do que apenas discursos. Precisamos combater o terrorismo e a
violência que ameaçam desestabilizar o mundo com uma política
externa e de segurança forte, traçada com vistas a gerar mais parceiros e menos terroristas. Nossa
política de segurança deve incluir
cinco elementos principais.
Em primeiro lugar, devemos
apoiar o presidente George W.
Bush e nossos militares para que
concluam a tarefa de retirar Osama bin Laden e os outros líderes
da Al Qaeda do Afeganistão.
Em segundo, precisamos fazer
tudo o que pudermos para pôr
fim ao programa norte-coreano
de mísseis nucleares. Esse é um
problema muito grande. A Coréia
do Norte pode não conseguir cultivar alimentos em quantidade
suficiente para alimentar sua população, mas constrói mísseis de
primeira categoria e os vende a
nossos adversários.
Durante minha administração,
conseguimos pôr fim ao programa nuclear da Coréia do Norte e
aos testes de mísseis de longo alcance conduzidos por esse país.
Ao final de meu segundo mandato, chegamos perto de um acordo
que colocaria fim por completo a
seu programa de mísseis. A chave
para o acordo final seria uma visita presidencial à Coréia do Norte.
Eu estava disposto a ir, mas, nas
últimas semanas de minha administração, tivemos de focalizar todas as nossas energias na aparente
chance de conseguir um acordo
de paz no Oriente Médio. Decidi
não colocar essa chance em risco
ao fazer uma viagem que teria de
incluir a África do Sul, a China e o
Japão.
Continuo convencido de que é
possível negociar o fim do programa norte-coreano, desde que a
administração Bush faça disso
uma de suas principais prioridades.
Em terceiro lugar, precisamos
restringir a produção e a distribuição de armas químicas, biológicas e nucleares pequenas. Sabemos que Saddam Hussein é uma
fonte de preocupação contínua,
porque seus laboratórios estão
ativos. Suas Forças Armadas estão muito mais fracas do que estavam no momento da Guerra do
Golfo, mas a ameaça de seus laboratórios é real. Não é tão imediata
quanto a necessidade de reiniciar
o processo de paz no Oriente Médio e interromper a violência nessa região, e pode não exigir uma
invasão, mas deve ser enfrentada.
Em quarto lugar, devemos aumentar a capacidade de nossos
aliados de enfrentar o terror.
Apóio o que o presidente Bush
vem fazendo para ajudar a presidente Gloria Arroyo, nas Filipinas. Também acredito que Bush
tenha razão ao ampliar a utilização de nossa assistência à Colômbia, visando a salvar uma das mais
antiga democracias latino-americanas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
As FARC são, na realidade, terroristas a serviço de traficantes de
drogas que querem transformar a
Colômbia no primeiro narco-Estado do mundo.
Também devemos apoiar nossos aliados na África que estão
tentando se organizar para formar sociedades coerentes. Uma
das melhores maneiras de fazê-lo
é continuar a financiar a Iniciativa
de Reação a Crises na África.
Lançado durante meu governo,
esse programa dá apoio americano a uma força militar africana
mista que pode ir aonde sua presença se fizer necessária, de modo
que os africanos possam atuar como suas próprias forças de manutenção da paz, lidando eles mesmos com seus próprios terroristas
e conflitos tribais. Espero que a
administração Bush não reduza
as verbas destinadas a esse programa.
Em quinto lugar, precisamos
melhorar as defesas domésticas e
a cooperação. Sou a favor da criação de um novo Departamento da
Segurança Interna, desde que ele
possua a autoridade necessária
para fazer com que todas as agências relacionadas operem em cooperação estreita e desde que tenha
acesso imediato às informações
que elas gerem.
Mais parceiros, menos terroristas. Além dessas cinco medidas
defensivas, é crucial para nosso
novo enfoque de política de segurança e externa que tenhamos
uma visão, como tiveram nossos
antecessores após a Segunda
Guerra, para a construção de um
mundo melhor, com mais parceiros e menos terroristas.
O princípio condutor desse
mundo reordenado vem diretamente da filosofia da "Terceira
Via": autonomia, oportunidade e
responsabilidade.
O primeiro passo consiste em
ter mais instituições internacionais, e instituições que sejam mais
eficazes. Já vimos o sucesso do
Nafta [sigla em inglês para Acordo de Livre Comércio da América
do Norte] e da OMC (Organização Mundial do Comércio). Estamos vendo como foi acertado incluir a China na OMC. Nosso
compromisso com a Alca (Área
de Livre Comércio das Américas)
e o livre comércio é correto. Agimos corretamente ao ratificar a
Convenção de Armas Químicas,
ampliar a Otan e apoiar a ampliação da União Européia.
Por outro lado, acho que o Senado sob controle republicano errou ao rejeitar o tratado que proíbe testes nucleares que minha administração negociou, decisão essa com a qual, infelizmente, a administração Bush concorda.
Acho que o governo atual errou
ao rejeitar o Protocolo de Kyoto e
o acordo do Tribunal Penal Internacional que havíamos assinado.
A rejeição do Protocolo de Kyoto
vai dificultar o combate ao flagelo
da degradação ambiental, especialmente o aquecimento global e
a deterioração dos oceanos.
O segundo pilar dessa estratégia
deve ser oferecer mais alívio da dívida aos países pobres do mundo.
O alívio da dívida que promovemos em 2000 já gerou alguns resultados espantosos, porque se
baseou na exigência de que todo o
dinheiro poupado fosse aplicado
em educação, saúde e desenvolvimento, gerando oportunidades e
exigindo responsabilidade. Essa
iniciativa recebeu amplo apoio internacional e contou com grande
apoio bipartidário no Congresso
americano. Devemos levá-la
adiante com uma nova rodada
que inclua países cuja renda supere os níveis máximos permitidos
hoje, mas que apresentem índices
altos e debilitantes de Aids.
Em terceiro lugar, devemos aumentar os investimentos em assistência externa. Os EUA gastam
uma porcentagem menor de sua
receita em assistência externa do
que qualquer outro país desenvolvido. O presidente Bush deu
um primeiro passo positivo em
março passado, na cúpula sobre
assistência externa realizada em
Monterrey, no México, quando
prometeu elevar nossa ajuda externa em US$ 10 bilhões, para que
chegue a US$ 15 bilhões anuais.
Mas mesmo isso nos deixará com
20% da receita nacional, abaixo
do previsto no último Orçamento
redigido por um Congresso de
maioria democrata, em 1994.
O secretário-geral da ONU, Kofi
Annan, pediu US$ 10 bilhões por
ano para combater a Aids e outras
doenças infecto-contagiosas. Devemos pagar nossa parte desse valor. Mais de 10 milhões de crianças nos países pobres estão sem
escola. Em 2000, destinamos US$
300 milhões para financiar uma
boa refeição por dia para as crianças pobres, desde que elas frequentassem a escola. O resultado
foi um aumento impressionante
no índice de crianças matriculadas nas escolas. Devemos ampliar
esse programa.
Em quarto lugar, devemos intensificar nossos esforços para levar a paz aos lugares mais problemáticos do mundo: o Oriente Médio e o subcontinente indiano.
Com uma política de segurança
forte, um esforço vigoroso para
criar mais parceiros e menos terroristas e uma luta implacável para vencer a batalha das idéias, os
EUA poderão fazer muito para fazer o mundo avançar da interdependência para a integração numa comunidade global que construa um mundo digno de nossos
filhos.
O democrata Bill Clinton, 56, foi presidente dos EUA de 1992 a 2000
Este artigo foi publicado originalmente
na "Blueprint" -revista do Conselho da
Liderança Democrata; depois, saiu publicado na "Salon"
Tradução de Clara Allain
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