|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESTRATÉGIA
Lições da Guerra do Golfo e da campanha no Afeganistão indicam limitações do poder aéreo para coagir inimigo
Forças terrestres serão decisivas no Iraque
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma guerra com o Iraque vai ter
de, necessariamente, envolver
não só a aviação americana em
larga escala, como também forças
terrestres em quantidade bem
maior do que as utilizadas recentemente no Afeganistão.
Mas o principal requisito para
haver guerra não é militar e sim
político-diplomático: costurar
alianças que permitam que os
EUA derrubem o ditador Saddam
Hussein. Sem uma base de partida para as forças terrestres, a tarefa americana torna-se quase impossível.
Essas duas colocações são o
consenso básico entre os especialistas militares, embora exista
muita discussão sobre qual "cenário" poderá caracterizar a guerra.
Lições dos ataques aéreos na
Guerra do Golfo, em 1991, contra
o mesmo Iraque, dos realizados
nos Bálcãs em 1995 e 1999 e da
campanha no Afeganistão indicaram as limitações do poder aéreo
para coagir um inimigo.
Sem a participação do Kuait como base das forças americanas, a
guerra contra Saddam torna-se
muito mais difícil. O uso de bases
na Arábia Saudita e Turquia também facilitaria em muito a empreitada.
"A necessidade de força decisiva
reforça outra lição da guerra afegã: não entre em guerra sem o
apoio de uma forte coalizão internacional e dos aliados-chave regionais", afirma Anthony Cordesman, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, de
Washington. Isso significa, diz
ele, bases em Arábia Saudita,
Kuait e Turquia, além do apoio
"tácito" de países como Egito e
Jordânia.
Cordesman escreveu, junto
com Abraham Wagner, um alentado estudo sobre as "lições" da
Guerra do Golfo. São 1.022 páginas de uma obra que desce a detalhes técnicos bizantinos para o leigo, como as diferenças de desempenho das versões M1-A1 e M1-A2 do tanque americano Abrams,
ou das diferentes bombas, granadas e fuzis usados.
Apesar desse currículo, ao comentar a hipótese de guerra com
o Iraque, Cordesman enfatiza os
fatores político-diplomáticos
mais do que os militares.
Ele adota um tom imperativo e
professoral para dar suas opiniões: "Não use uma força militar
americana pequena, envie mais
do que o necessário para poder
ganhar rapidamente"; "não conte
com o poder aéreo e/ou a oposição iraquiana como um substituto para o poder terrestre americano e aliado".
Kenneth Pollack, que foi diretor
de assuntos do golfo de 1999 a
2001 no Conselho de Segurança
Nacional dos EUA, defendeu em
artigo na revista especializada
"Foreign Affairs" uma invasão
maciça a partir do Kuait empregando entre 200 mil e 300 mil tropas, apoiadas por até mil aviões.
Pollack acredita que uma força
menor possa dar conta da guerra,
mas prefere não arriscar. Ele acha
que sejam necessários cinco meses para reunir essa força no
Kuait, mas que, em um mês, a
guerra estaria ganha.
"Os aspectos militares de uma
invasão, na verdade, possivelmente serão a parte mais fácil",
diz; o impacto diplomático vai ser
mais difícil de lidar, "com sua severidade diretamente relacionada
com a duração da campanha e a
certeza do seu resultado".
Já os militares têm mais cautela.
O general da reserva Anthony
Zinni, um fuzileiro naval (marine) que chegou a chefiar o Comando Central das forças americanas, declarou que as pessoas
mais entusiasmadas por uma
guerra com o Iraque eram gente
que nunca tinha estado em combate -e que os militares tendiam
a pensar de outro modo.
Outro fuzileiro naval, o piloto
Scott Cooper, participou dos ataques aéreos em Kosovo em 1999,
quando a Otan (aliança militar
ocidental) tentou coagir os sérvios a parar a perseguição da etnia
albanesa.
Um artigo de Cooper publicado
no "Washington Quarterly" descreveu brilhantemente as limitações do poder aéreo nos conflitos
atuais, com a autoridade de quem
foi parte dele, pilotando o avião de
guerra eletrônica e ataque EA-6B
Prowler, especializado em atacar
radares da defesa aérea.
"A crença de que o poder aéreo
usado sozinho possa vencer um
inimigo é perigosa para qualquer
pensador estratégico ou estadista", disse ele, argumentando que
vários fatores auxiliaram a Otan
nas suas intervenções nos Bálcãs.
Em 1995, contra os sérvios da Bósnia, foi uma ação terrestre croata
que alterou o equilíbrio militar.
Em 1999, em Kosovo, outros fatores contaram, como a ameaça de
ataque terrestre e a perda do
apoio diplomático russo.
Especialistas como Cooper e
Cordesman lembram que os sérvios também aprenderam lições
da guerra com o Iraque em 1991 e
que os iraquianos agora aprenderam lições em Kosovo.
Por exemplo, o Iraque hoje usa
menos os radares de defesa aérea
das baterias de mísseis, pois basta
ligá-los para eles virarem alvo de
armas guiadas pela radiação. Mas
um radar mais distante pode servir para guiar os mísseis contra os
aviões americanos.
"O poder aéreo depende exclusivamente de inteligência precisa
e oportuna para sua eficácia",
afirma o piloto e também especialista em estudos internacionais.
No Afeganistão isso ficou claro,
mas quem provia a inteligência
"precisa e oportuna" eram justamente tropas terrestres, os soldados de forças especiais que acompanhavam as forças anti-Taleban
da Aliança do Norte.
O poder aéreo americano desequilibrou a balança entre as forças
em combate no Afeganistão. Mas
não existe no Iraque uma oposição igualmente poderosa a Saddam, o que tornaria necessário
enviar mais tropas americanas.
O Iraque concentra suas forças
mais poderosas e móveis no sul
do país, especialmente quatro divisões blindadas, uma delas da
Guarda Republicana. Suas divisões de infantaria são basicamente estáticas, para defesa local.
Em 1991, o objetivo era expulsar
os iraquianos do Kuait, e a luta se
deu em terreno desértico, que favoreceu os ataques aéreos e a movimentação das poderosas forças
blindadas americanas. Agora, os
iraquianos podem optar por lutar
em cidades, deixando de ser alvos
fáceis e criando a possibilidade de
milhares de baixas civis. Mesmo o
Exército tão rapidamente derrotado em 1991 pode conseguir isso.
Texto Anterior: Trechos Próximo Texto: EUA repensam sua defesa depois dos atentados Índice
|