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IRAQUE NA MIRA
Com estrutura descentralizada e sem ideologia única, protestos antiguerra atraem milhões de manifestantes
Ativistas criam forma alternativa de política
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo que malogrem no objetivo de impedir uma nova guerra
no Iraque, os pacifistas podem se
dar por satisfeitos por terem inaugurado um estilo inédito de fazer
política em escala mundial.
Conseguiram pôr nas ruas, por
meio de uma estrutura desconcentrada de mobilização, mais
gente e gente de origem mais diversificada que qualquer agrupamento internacional -ideológico, sindical, religioso- submetido a uma hierarquia centralizada.
Os pacifistas não têm líderes
nem chefes. Eles formam na Europa e nos Estados Unidos uma
rede difusa e horizontal de entidades. Um último levantamento indica que o território norte-americano está empipocado por 249
agrupamentos regionais.
Na Alemanha, diz à Folha o dirigente Clemens Ronnefeldt, do
grupo Resist!, ninguém é dono do
movimento, que elaborou técnicas de militância desde as manifestações contra centrais nucleares, nos anos 70, e que hoje reúne
igrejas, o Partido Verde, a Attac
(antiglobalização) e associações
de estudantes ou moradores.
"Moradores, se concordam
com a causa, mobilizam-se e
mantêm vínculos muito sólidos
na militância", disse o pastor Wes
Rehberg, que lidera o movimento
numa cidadezinha de 35 mil habitantes chamada Holland, Estado
de Michigan (EUA).
Há 15 dias, uma coordenação
internacional dos pacifistas, com
25 países, reuniu-se em Londres.
Mas foi muito mais para fixar um
cronograma mundial de passeatas, para que, dependendo do fuso horário, um grupo nas ruas
sempre estivesse sendo objeto de
cobertura na televisão.
O fenômeno é muito recente.
Uma senadora norte-americana,
Arlen Specter, republicana da
Pensilvânia, disse recentemente
que em 28 de agosto do ano passado assustou-se ao saber que 80
pessoas aglomeravam-se diante
de seu escritório para apoiá-la por
sua posição contrária a uma nova
guerra no Iraque.
No último 15 de fevereiro, segundo estimativas conservadoras, grandes passeatas ocorreram
em 600 cidades dos quatro continentes. Foram 3 milhões de pessoas por toda a Espanha, 1,5 milhão em Londres, cerca de 2 milhões em 80 cidades da França.
Para o protesto de ontem em
Washington, foi mobilizado um
esquema via internet para o fretamento de lugares em cerca de 800
ônibus que seguiriam à capital.
Esse ecumenismo é permitido
pelo fato de inexistir entre os pacifistas uma única orientação ideológica, com guardiães da ortodoxia e a disputa de espaço com dissidentes. Há de tudo. Como empresários que deram dinheiro para a campanha eleitoral de George
W. Bush, marxistas belgas, luteranos alemães, bispos italianos, estudantes muçulmanos na Holanda e até uma engraçada associação norte-americana de mamães
que jogam futebol.
A internet não permitiu só baixar os custos de uma mobilização
(o site-organização MoveOn.org
reivindica 600 mil simpatizantes
on-line) que seria caríssimo se dependesse do correio. Permitiu
também diluir os centros de poder. É algo importante. Não há
chefia para encomendar às empresas gráficas a impressão de
cartazes com dizeres unificados.
Cada militante escolhe seu cartaz, faz o donwload pela internet e
ainda imprime, para levar no bolso, os panfletos que irá distribuir.
O salto qualitativo não é apenas
tecnológico. É também de qualidade política. É possível que no
futuro historiadores citem como
um marco essa mobilização globalizada de pacifistas.
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