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IRAQUE NA MIRA
Ex-secretária de Estado dos EUA diz à Folha que os dois presidentes "não estão se comportando como adultos"
Para Albright, crise Bush-Chirac é infantil
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Madeleine Albright, 65, ex-secretária de Estado americana e ex-embaixadora dos Estados Unidos
nas Nações Unidas durante o governo Bill Clinton (1993-2001),
afirma que os presidentes George
W. Bush (EUA) e Jacques Chirac
(França) "não estão se comportando como adultos" na discussão sobre uma possível guerra
contra o Iraque.
"O futuro da ONU está sendo
colocado em xeque", diz. Para Albright, o cenário caminha para
uma "tempestade diplomática
perfeita". A consequência é que
regiões como a América Latina
devem sair do "radar dos EUA
por um bom tempo".
Sobre a possibilidade de uma
ação militar dos EUA contra Saddam Hussein, afirma: "Quando
abrimos a caixa de ferramentas
para tratar de política externa
chegamos sempre à conclusão de
que há pouquíssima coisa dentro.
Se retórica e sanções econômicas
não funcionam, ficamos emperrados. Sobra a força".
Nascida em Praga e filha de um
diplomata, Madeleine Korbel Albright veio aos EUA aos 11 anos,
quando os pais pediram asilo político aos americanos.
Favorável ao Partido Democrata, Albright trabalhou no Conselho de Segurança Nacional e na
Casa Branca nos anos 70 e 80, até
chegar a embaixadora dos EUA
na ONU, em 93. Convidada por
Clinton, assumiu o Departamento de Estado em 97. Foi a primeira
mulher no cargo.
Leia a seguir a entrevista dada
por ela à Folha após participar de
uma palestra na última quinta-feira em Washington.
Folha - Qual será a reação do
Oriente Médio à presença maciça
de tropas norte-americanas na região, especialmente se os EUA atacarem e tiverem de administrar sozinhos a reconstrução e a transição
do país? As tropas terão de ficar lá
por um longo período, não?
Madeleine Albright - Tropas
americanas têm ocupado por longos períodos muitas regiões do
mundo nas últimas décadas. Isso
aconteceu na Alemanha e na Coréia. Desta vez não será diferente.
Acho que teremos de manter nosso pessoal lá por um bom tempo.
O Oriente Médio é um trabalho
que ainda não foi terminado. Há
muitas questões pendentes na região que devem ser resolvidas.
Folha - Como a sra. analisa a posição do presidente brasileiro, Luiz
Inácio Lula da Silva? Embora o Brasil não participe do Conselho de Segurança da ONU, o país se opõe à
guerra.
Albright - Cada país tem procurado demonstrar sua posição. Todos tem o direito de dizer o que
pensam. Como o Brasil não participa do Conselho de Segurança, o
presidente Lula, tenho certeza,
deve estar tentando fazer valer a
sua posição por meio dos presidentes do Chile [Ricardo Lagos" e
do México [Vicente Fox".
Mas o lado triste da discussão de
toda essa crise é que a América
Latina, assim como outras regiões
importantes do mundo, vai acabar ficando de fora da tela do nosso radar por um bom tempo.
Folha - Qual o futuro da ONU se os
EUA atacarem o Iraque sem um amplo apoio?
Albright - Este é um momento
muito delicado para as Nações
Unidas e para a sua credibilidade.
Já houve ocasiões em que os Estados Unidos não foram à ONU para pedir autorização para usar a
força. O problema é que, desta
vez, nós fomos. E o Conselho de
Segurança está dividido. O grande
poder do Conselho e dos países
que participam dele é a sua própria existência. Se atacarmos sem
consentimento, perde-se o sentido de algo que demorou 50 anos
para ser construído.
Folha - A principal divisão é entre
os EUA e a França. O que está por
trás do desacordo?
Albright - Tivemos diferenças ao
longo dos anos, mas nossa relação
com a França é das mais sérias.
Coisas estúpidas estão acontecendo agora, como quando alguns
querem mudar o nome das
""french fries" (batatas fritas, em
inglês) e outros desejam parar de
tomar Coca-Cola. Mas é muito
importante acordarmos para todo o risco dessa polêmica.
Creio que tanto o presidente
Bush quanto o presidente Chirac
estão se comportando terrivelmente. Os dois estão colocando a
questão como se fosse preto ou
branco, dizendo que vão fazer
exatamente o que querem, não
importa o que a ONU ou as suas
resoluções digam. Esse não é um
comportamento adulto.
Os dois deveriam fazer exatamente o contrário. Deveriam se
falar diariamente e se encontrar
para virem juntos a público, de
mãos dadas, para apresentar uma
solução e reforçar o quanto um
país precisa do outro.
Mas precisamos levar em conta
que, em todas as ocasiões em que
tentamos aprovar resoluções para
desarmar Saddam, nos últimos 12
anos, tivemos sempre a França
como nosso maior obstáculo.
Saddam vem nos enganando há
anos. Teve a sua chance e não
cumpriu o que pedimos. Ele não
se desarmou.
Agora, provoca uma divisão entre nossos aliados quando temos
uma série de crises que deverão
demandar uma ação internacional, onde o papel das Nações Unidas será mais importante. A Coréia do Norte é um exemplo perfeito. Por isso, todos os países envolvidos na atual discussão no
Conselho de Segurança devem estar atentos ao efeito que um impasse agora poderá ter.
Folha - Que outras crises?
Albright - Diria que nós estamos
hoje no meio do que eu chamaria
de uma ""tempestade diplomática
perfeita". Há muitos problemas
colocados -todos ao mesmo
tempo- para a comunidade internacional. Cinco elementos fazem parte hoje desta ""tempestade
perfeita", não necessariamente
nessa ordem. O primeiro é a guerra ao terrorismo, que está nos
consumindo. O segundo é obviamente o que está acontecendo no
Iraque. O terceiro é a falta de iniciativas concretas para a paz no
Oriente Médio. O quarto são as
tensões entre Índia e Paquistão,
duas potências atômicas fazendo
ameaças mútuas cada vez maiores. O quinto é a Coréia do Norte.
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