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AMÉRICA LATINA
Principal tarefa de risco da força de paz comandada pelo Brasil será conter eventuais distúrbios nas eleições
Maior desafio da missão no Haiti é político
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Militares brasileiros devem, no
final do mês, iniciar sua participação em mais uma operação de paz
da ONU. Não só participar mas
também comandar e ter uma forte presença na Missão das Nações
Unidas de Estabilização no Haiti
-que pode se tornar uma das
mais polêmicas iniciativas da política externa recente do país.
O número de militares envolvidos agora já é um recorde em se
tratando de missões no exterior.
Contando os tripulantes dos navios da Marinha e aviões da FAB
que levarão o material e parte da
tropa, esta já é a maior força expedicionária desde a Segunda Guerra Mundial.
Na Segunda Guerra, o Brasil enviou mais de 25 mil homens para
combater na frente italiana. Agora são cerca de 1.200 homens enviados ao Haiti, e cerca de mil tripulantes dos navios e aviões.
As Forças Armadas vivem uma
penúria de recursos desde o segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, aprofundada na atual administração.
Para conseguir realizar a missão
com a pouca verba disponível, o
Ministério da Defesa vai reduzir o
pagamento aos militares -que,
tradicionalmente, ganham mais
em missões no exterior. Ganhar
mais e em dólar é um atrativo já
tradicional desse tipo de missão.
Sem dúvida, uma redução dos
vencimentos afetaria o moral da
tropa.
Marinha e Força Aérea, que estão com vários navios e aviões em
más condições de operação por
falta de recursos, tiveram de fazer
das tripas coração para obter peças e suprimentos para realizar o
transporte da tropa.
Os riscos especificamente militares são pequenos. O Haiti está
muito longe de ser um Iraque. Já
há uma força de paz multinacional operando no país que não tem
enfrentado grandes problemas.
O maior desafio para os militares e diplomatas brasileiros promete ser político. A força de paz
estará lá para ajudar o Haiti na sua
mais nova tentativa de redemocratização. E isso significa eleições
que poderão ter distúrbios.
É um desafio difícil, pois, além
de ser o mais pobre país do continente americano, ele tem uma das
mais conturbadas histórias políticas -e marcada pela violência.
País sempre em crise
Desde que uma revolta dos escravos negros contra os colonos
franceses culminou em uma república independente no começo
do século 19 que o país vive em
conflito. Na primeira metade do
século 20, intervir no Haiti -e em
outros países problemáticos da
América Central- virou rotina
para os Estados Unidos.
Os fuzileiros navais americanos
(marines) voltaram ao país em
março passado logo depois da
partida ao exílio do presidente
Jean-Bertrand Aristide, pivô de
uma crise política grave -seu
partido foi acusado de fraudar as
eleições legislativas de 2000. Manifestações contra seu governo
causaram mais de 80 mortes. Milícias armadas se rebelaram.
Ironicamente, Aristide, de esquerda, tinha sido no passado deposto por um golpe militar. Essa
afiliação do ex-presidente ainda
causa oposição à intervenção no
país pela esquerda internacional
-incluindo setores do PT-, que
acusa os EUA de deporem Aristide, embora a França, que vive criticando as iniciativas militares
americanas, também tenha participado da força de manutenção
da ordem na sua ex-colônia.
O legado da longa história de
crises haitianas estará agora nas
mãos de soldados brasileiros -a
maioria do Rio Grande do Sul- e
de fuzileiros navais -a maioria
do Rio de Janeiro.
Felizmente, são tropas com conhecimento do que podem ter pela frente. O 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, baseado em São
Leopoldo (RS), já treina para esse
tipo de missão faz tempo -além
das suas funções normais de uma
unidade de combate.
A diplomacia brasileira estará
tentando mostrar ao mundo que
merece -pelo tamanho de seu
território e de sua população, pela
sua influência geopolítica, pelo
seu histórico de resolução pacífica
de conflitos diplomáticos- ser
um membro permanente do
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Uma pretensão que
outros países em desenvolvimento também poderiam ter -caso
de líderes regionais como Índia
ou África do Sul.
Só que participar de um conselho dito de "segurança" significa
ter músculo militar para ser eventualmente empregado em missões arriscadas não só de manutenção mas também de "imposição" da paz -por exemplo, em
caso de um país que sofra um genocídio ou uma "limpeza étnica".
Manter tropas, navios e aviões
capazes de intervir rapidamente
no exterior custa caro. Para isso,
as Forças Armadas têm de treinar
e manter seu equipamento operacional. E isso fica difícil num país
que não investe nelas -cuja Marinha, por exemplo, tem um navio
que, faz pouco, "comemorou"
um ano sem navegar.
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