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EUA
Mark Thomas compilou telefones públicos nos quatro cantos do planeta para fomentar contatos aleatórios entre pessoas
Nova-iorquino faz guia mundial de orelhões
IAN URBINA
DO ""NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK
Tudo começou como um estudo de arte. Com um caderno azul
na mão, Mark Thomas passava
tardes percorrendo a pé as ruas de
Manhattan (Nova York), anotando o número e a localização de telefones públicos. Ele divulgava as
informações em seu site, na esperança de que as pessoas ligassem
para os telefones.
""Existe beleza real em atos de
contato aleatório entre estranhos", explicou. Em pouco tempo, sua lista já se ampliava para
incluir telefones situados no topo
da Torre Eiffel, no porão do Vaticano, no meio do deserto de Mojave e em cerca de 450 mil outros
lugares espalhados pelo mundo.
A notícia de seu projeto se espalhou, e Cindy, no Havaí, disse que
tivera uma conversa estranha sobre praias com um homem que
atendeu uma ligação em um telefone público do Brasil. Kim, de
Sydney, na Austrália, contou que
telefonou para um orelhão situado em Manhattan, onde um homem atendeu dizendo ""Wassup?" (o que está acontecendo?) e
disse nunca ter ouvido falar na
Austrália.
A mais surrealista de todas foi a
conversa que Thomas teve quando atendeu um telefone em
Queens, na estação de metrô da linha N, em Nova York, e a pessoa
do outro lado da linha explicou
que encontrara o número no site
do próprio Thomas.
Mas, em pouco tempo, o projeto foi mudando de natureza, com
a chegada de mensagens eletrônicas de pessoas em pânico que precisavam descobrir a localização
de um telefone público determinado. Foi o caso de uma mãe na
zona rural do Texas que, desesperada, procurava sua filha de 15
anos, grávida, que fugira de casa
um mês antes e tentara ligar para
casa desde um telefone público.
Ou de um grupo de combate à
pedofilia que tentava localizar às
pressas um homem que utilizara
um telefone público para combinar um encontro sexual com um
garoto pequeno. Ou, ainda, de um
corretor de imóveis na Filadélfia
que queria acabar com as ligações
diárias de um perseguidor que
ameaçava matá-lo.
Na era da onipresença dos celulares, a paixão de Thomas pelos
telefones públicos, embora num
primeiro momento não tenha
passado de fantasiosa, acabou
rendendo aplicações tanto divertidas quanto urgentemente práticas. Seu site www.payphone-pro
ject.com, recebe cerca de 45 mil
visitas por mês e é um dos únicos
lugares em que pessoas podem
encontrar a localização de um telefone público do qual receberam
uma ligação.
O site, disse ele, virou o que o telefone público já foi no passado:
uma fonte de assistência vital para
pessoas em momentos de necessidade repentina.
O entusiasmo de Thomas pelo
assunto é inegável. Ele ergue a voz
quando descreve as filas de pessoas que aguardam, impacientes,
para falar no telefone público que
já foi descrito como o mais usado
dos EUA, o do terminal Grand
Central, em Nova York.
Seu rosto fica corado de emoção
quando ele descreve algumas das
conversas bizarras que já teve ao
responder a ligações aleatórias em
telefones públicos que tocaram
quando ele passava ao lado. Um
senhora ligou para o telefone público numa esquina movimentada, em Queens. Ela convenceu
Thomas a esperar na linha com
ela durante 20 minutos, numa
noite gelada de dezembro, até que
sua filha apareceu para atender ao
telefonema.
Em outra ocasião, um homem
de voz rouca ligou para o mesmo
telefone e disse: ""Alô, Louise está
aí?". ""Não, este é um telefone público." ""Eu sei. Escute, quando ela
passar por aí, por favor, diga-lhe
que Julio telefonou e que vou ficar
no Riker's por mais tempo do que
imaginei."
O interesse pelos telefones públicos é algo que Thomas, que tem
36 anos, é pianista profissional e
vive em Long Island City, Queens,
diz datar de quando era adolescente, em Tampa, na Flórida. Entediado e sem poder sair de casa
nas noites de sexta-feira, ele começou a telefonar sempre para
um telefone público no bulevar
Kennedy, perto da Universidade
de Tampa, um dos bairros da cidade mais decadentes na época.
""Quando você tem 15 anos e
nem sequer pode beber álcool,
acha realmente excitante conversar com bêbados e prostitutas",
explicou. Os telefonemas aleatórios que o apresentador David
Letterman fazia para telefones
públicos próximos ao teatro Ed
Sullivan o inspiraram ainda mais.
Quando abriu seu site, em 1995,
Thomas descobriu que abrira a
porta a toda uma subcultura vigorosa povoada por aficionados.
""Você ficaria espantado de saber
quantas pessoas compartilham
esse hábito bizarro", comentou.
Thomas diz que acha ótima a
nova utilização que vem sendo
feita de seu hobby. E, como hoje
em dia a maioria dos telefones públicos não recebe telefonemas,
apenas os faz, ele diz que reconhece que sua esperança original de
instigar atos aleatórios de contato
entre estranhos se tornou algo cada vez mais irrealizável.
Mas Thomas se mostra menos
tolerante em relação a outras tendências novas. ""O telefone celular
não substitui o público", declarou. Colecionador de rádios antigos e adepto dos discos em vinil,
ele lamenta a crescente obsolescência dos telefones públicos.
Com a redução do número desses aparelhos nos EUA -de 2,7
milhões em meados dos anos
1990 para menos de 1,8 milhão
hoje-, ele acha que o que se perdeu foi mais do que conveniência
pública. ""Os telefones públicos
são uma ajuda vital para os miseráveis. As cabines são casulos que
os abrigam em dias de chuva", explicou. ""Perdendo esses telefones,
perdemos muitas janelas que nos
revelam algo sobre a condição humana."
Tradução de Clara Allain
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