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ANÁLISE
Mortes ameaçam plano eleitoral de Bush
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
A repentina mudança de estratégia dos EUA em relação ao Iraque na semana passada pode levar o presidente George W. Bush
a retirar-se rápido demais do país
por razões de política interna.
Políticos republicanos e democratas, além de analistas militares,
acreditam que a aproximação da
eleição presidencial nos EUA, em
novembro de 2004, tenha acendido uma luz vermelha no painel
dos estrategistas da Casa Branca.
Nos últimos meses, Bush livrou-se de quase todos os seus
problemas internos, especialmente no front econômico, e vem
pavimentando, com pelo menos
US$ 90 milhões já arrecadados,
estratégia para a sua reeleição.
Nesse cenário, a morte cotidiana de soldados no Iraque é hoje o
seu maior obstáculo, alvo de críticas e de crescente repúdio da opinião pública americana.
Para James Lindsay, ex-diretor
do Conselho de Segurança Nacional no governo Bill Clinton (1993-2001), Bush deverá adotar o quanto antes no Iraque modelo semelhante ao adotado no Afeganistão.
"O objetivo será reduzir os custos políticos com uma deterioração no país e focar a ação americana em bases fora das grandes cidades, emergindo apenas para
conduzir ataques rápidos quando
isso for necessário", diz Lindsay.
Lawrence Korb, ex-secretário
da Defesa do governo Ronald
Reagan (1981-89) e que acaba de
voltar de Bagdá em viagem promovida pelo Pentágono, afirma
que a atual mudança de posição
foi acelerada por uma discordância crescente entre os EUA e o
conselho consultivo estabelecido
no Iraque.
Atuando sob o comando da
APC (Autoridade Provisória da
Coalizão), que é dirigida pelo norte-americano Paul Bremer, o conselho consultivo, segundo Korb,
quer promover eleições no Iraque
antes de escrever uma nova Constituição -o inverso do que planejavam os EUA inicialmente.
"Se tivermos de esperar por eleições, isso significa mais um ano
antes de a nova Carta ficar pronta", diz Korb.
Ao mesmo tempo, os EUA temem que as urnas acabem legitimando uma teocracia ou um governo com forte influência de partidários do ex-ditador Saddam
Hussein.
Na semana passada, novas promessas de envio ao Iraque de tropas de outros países também foram frustradas, aumentando a
necessidade de os EUA encontrarem uma saída para seus próprios
soldados no país.
A alternativa pensada agora pelos EUA é criar dois comitês, um
executivo e outro constitucional,
que possam, simultânea e respectivamente, tomar decisões de forma mais autônoma e preparar
uma nova Constituição.
No meio tempo, a segurança
iraquiana seria substituída. Nos
últimos 40 dias, os EUA praticamente dobraram (para cerca de
118 mil) o número de policiais
treinados e equipados pelas forças
americanas.
Essa nova força poderá dar sustentação ao novo comitê executivo e retirar de circulação boa parte dos soldados americanos
-que ficariam mais protegidos
em bases a serem montadas.
A Casa Branca ainda não deixou
claro o que pretende, de fato, fazer. Mas a movimentação de Bush
no sentido de tirar o fardo do Iraque de seu caminho já provocou
uma forte reação no Congresso
americano.
"Preparar um retirada quando
as nossas forças estão sendo atacadas não parece lógico. Se os militares americanos não são capazes de controlar a situação, certamente não serão os iraquianos
ainda semitreinados que irão fazê-lo", reagiu o senador republicano John McCain.
O Partido Democrata, de oposição, foi mais explícito: "Depois de
fazer todas as opções erradas, esse
governo agora conclui que, de
qualquer maneira, tem de trazer
os soldados de volta antes da eleição para poder sobreviver", disse
o senador Joseph Biden.
Além da perda diária de vidas
no Iraque, começa a entrar nos
cálculos políticos de Bush o cenário de afunilamento das chances
dos pré-candidatos democratas à
eleição de 2004.
O favorito até agora, o médico e
ex-governador de Vermont Howard Dean, deu um passo importante na semana passada ao
anunciar, pela primeira vez na
história do Partido Democrata,
que não vai utilizar fundos públicos de campanha em sua corrida à
Casa Branca. Com isso, Dean está
livre -assim como Bush- para
arrecadar mais do que os US$ 45
milhões de teto estabelecido para
quem opta por receber fundos
públicos de campanha.
Michael O'Hanlon, analista do
Instituto Brookings, um conceituado "think tank" de Washington, diz que uma retirada das tropas americanas no Iraque anularia a melhor munição que os democratas teriam para atacar Bush
nos meses mais quentes da campanha eleitoral do ano que vem.
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