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APAGÃO AMERICANO
Para Aldo da Rosa, professor de Stanford, grupos de pressão ambientalistas e políticos impedem modernização da rede de energia dos EUA
Especialista liga atraso energético a lobbies
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Lobbies políticos, industriais,
ambientalistas e o temor da população de viver perto de instalações
elétricas dificultam a modernização das redes de energia americanas, que são obsoletas, sendo indiretamente responsáveis pelo
blecaute que atingiu boa parte do
nordeste dos EUA e a Província
de Ontário, no Canadá, de acordo
com o brasileiro Aldo Vieira da
Rosa, 85, professor emérito de engenharia elétrica na renomada
Universidade Stanford (EUA).
"Há inúmeros problemas relacionados às redes elétricas americanas, que, além de serem velhas e
ultrapassadas, são extremamente
interligadas, tornando-se muito
vulneráveis. Afinal, se um gerador
cai, todos os outros que fazem
parte de sua rede também são afetados", explicou Rosa à Folha.
"É preciso, portanto, modernizar o sistema energético dos EUA.
Contudo qualquer tentativa de fazer uma nova instalação de uma
linha de transmissão, de um gerador ou de uma usina nuclear encontra uma enorme oposição popular. Todas as pessoas acham
que isso seja necessário, mas ninguém quer que as novas instalações sejam construídas perto de
suas casas", acrescentou o professor, que vive nos EUA desde 1963.
Segundo ele, essa tendência deu
origem até a um acrônimo que está bastante em voga nos EUA
atualmente: "nimby" (não no
meu quintal). "Esse fenômeno
chega a atingir proporções totalmente estúpidas. Por exemplo, há
um gerador nuclear, aqui na Califórnia, que foi construído dentro
das normas legais, porém jamais
foi posto em funcionamento",
disse Rosa, por telefone.
"Com isso, um investimento de
bilhões de dólares jamais serviu à
população porque diferentes lobbies, ambientalistas ou simplesmente de moradores, não querem
que o gerador seja colocado em
funcionamento", completou.
Para o pesquisador, lobbies ambientalistas também impedem
uma maior exploração de outros
recursos naturais americanos.
"Os EUA possuem imensas reservas de petróleo e de gás natural no
Alasca, no entanto os ambientalistas usam toda a sua influência
para dificultar sua exploração.
Não discuto aqui o mérito da
questão, mas é irrefutável que isso
contribui para a sobrecarga do
sistema elétrico do país."
Ademais, combustíveis fósseis,
como o carvão, o petróleo e o gás
natural, estão, ainda de acordo
com ele, com seus dias contados,
porém não porque vão exaurir-se
neste século, conforme se pensava
até há pouco tempo. "Combustíveis fósseis talvez ainda existam
daqui a 500 anos. Eles vão ficar
mais caros, mas não vão acabar."
"O problema é que, quando um
combustível fóssil é queimado,
criam-se problemas seriíssimos
para a atmosfera. Se continuarmos a permitir que níveis bastantes altos de dióxido de carbono se
misturem com o ar, o clima da
Terra certamente sofrerá graves
mudanças", indicou Rosa.
"Todavia é errado pensar que
isso provocará obrigatoriamente
um aquecimento da temperatura
terrestre. Essa hipótese é tão plausível quanto a que diz que haverá
um resfriamento da Terra. Só
uma coisa é irrefutável: haverá
graves alterações climáticas se
continuarmos a depender dos
combustíveis fósseis como hoje.
Afinal, 85% de toda a energia consumida no planeta advém desse
tipo de fonte", acrescentou.
É nesse ponto que o lobby industrial desempenha um papel
importante na falta de modernização das redes elétricas americanas, pois, ao menos a curto prazo,
eles não querem perder as vantagens que retiram da exploração
de combustíveis fósseis. "Há muito dinheiro envolvido nesse campo", disse o pesquisador.
Possíveis alternativas
Ainda de acordo com Rosa, já
há algumas algumas fontes alternativas de energia, porém elas
"ainda não são comercialmente
viáveis". "A solução para crise
energética americana deveria vislumbrar o fim gradual das grandes redes altamente interligadas,
que seriam substituídas por células de combustível bem menores e
menos poluentes."
"Uma solução ideal de substituição do sistema atual requererá
um investimento de vários bilhões de dólares e demorará ao
menos 20 anos para ser posta em
prática, de modo gradual. Afinal,
com as células de combustível,
poderíamos ter instalações bem
mais práticas e próximas aos centros urbanos, o que é impossível
com usinas hidrelétricas ou nucleares", afirmou o professor.
Segundo ele, o presidente George W. Bush é favorável à substituição gradativa do sistema atual por
células de combustível, mas a situação demanda mais que um parecer favorável dele. "O problema
é que essa é uma solução muito
demorada, que não surtiria efeitos políticos positivos imediatos.
Assim, mesmo que estivesse realmente determinado a levar adiante o plano, Bush seria desencorajado por lobbies políticos."
Outra fonte de energia que, a
longo prazo, poderá ser utilizada
-não apenas nos EUA- é a eólica. "Não podemos nos precipitar,
a energia eólica ainda não é totalmente confiável nem comercialmente viável, mas as pesquisas
têm de continuar", explicou Rosa.
Crise inevitável
Para ele, de qualquer maneira,
uma crise energética global será
inevitável se não houver profundas mudanças nos hábitos de
consumo atuais e nas normas de
exploração das fontes de energia.
"A população terrestre cresce,
em média, 1,4% ao ano, o que, obviamente, acarreta um aumento
do consumo global de energia.
Além disso, à medida que os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento avançam e passam a ter uma melhor infra-estrutura industrial, eles passam a consumir mais energia per capita que
a que utilizam normalmente."
"Assim, a combinação de um
aumento razoável da demanda
per capita de energia com o crescimento da população total do
planeta cria um ambiente em que
fica muito difícil encontrar um
equilíbrio ótimo. Ademais, há
considerações industriais, políticas e ambientais que impedem o
uso desenfreado de todas as fontes de energia. Torna-se, portanto, claro que uma crise será inevitável", analisou Rosa.
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