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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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APAGÃO AMERICANO

Para Aldo da Rosa, professor de Stanford, grupos de pressão ambientalistas e políticos impedem modernização da rede de energia dos EUA

Especialista liga atraso energético a lobbies

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Lobbies políticos, industriais, ambientalistas e o temor da população de viver perto de instalações elétricas dificultam a modernização das redes de energia americanas, que são obsoletas, sendo indiretamente responsáveis pelo blecaute que atingiu boa parte do nordeste dos EUA e a Província de Ontário, no Canadá, de acordo com o brasileiro Aldo Vieira da Rosa, 85, professor emérito de engenharia elétrica na renomada Universidade Stanford (EUA).
"Há inúmeros problemas relacionados às redes elétricas americanas, que, além de serem velhas e ultrapassadas, são extremamente interligadas, tornando-se muito vulneráveis. Afinal, se um gerador cai, todos os outros que fazem parte de sua rede também são afetados", explicou Rosa à Folha.
"É preciso, portanto, modernizar o sistema energético dos EUA. Contudo qualquer tentativa de fazer uma nova instalação de uma linha de transmissão, de um gerador ou de uma usina nuclear encontra uma enorme oposição popular. Todas as pessoas acham que isso seja necessário, mas ninguém quer que as novas instalações sejam construídas perto de suas casas", acrescentou o professor, que vive nos EUA desde 1963.
Segundo ele, essa tendência deu origem até a um acrônimo que está bastante em voga nos EUA atualmente: "nimby" (não no meu quintal). "Esse fenômeno chega a atingir proporções totalmente estúpidas. Por exemplo, há um gerador nuclear, aqui na Califórnia, que foi construído dentro das normas legais, porém jamais foi posto em funcionamento", disse Rosa, por telefone.
"Com isso, um investimento de bilhões de dólares jamais serviu à população porque diferentes lobbies, ambientalistas ou simplesmente de moradores, não querem que o gerador seja colocado em funcionamento", completou.
Para o pesquisador, lobbies ambientalistas também impedem uma maior exploração de outros recursos naturais americanos. "Os EUA possuem imensas reservas de petróleo e de gás natural no Alasca, no entanto os ambientalistas usam toda a sua influência para dificultar sua exploração. Não discuto aqui o mérito da questão, mas é irrefutável que isso contribui para a sobrecarga do sistema elétrico do país."
Ademais, combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural, estão, ainda de acordo com ele, com seus dias contados, porém não porque vão exaurir-se neste século, conforme se pensava até há pouco tempo. "Combustíveis fósseis talvez ainda existam daqui a 500 anos. Eles vão ficar mais caros, mas não vão acabar."
"O problema é que, quando um combustível fóssil é queimado, criam-se problemas seriíssimos para a atmosfera. Se continuarmos a permitir que níveis bastantes altos de dióxido de carbono se misturem com o ar, o clima da Terra certamente sofrerá graves mudanças", indicou Rosa.
"Todavia é errado pensar que isso provocará obrigatoriamente um aquecimento da temperatura terrestre. Essa hipótese é tão plausível quanto a que diz que haverá um resfriamento da Terra. Só uma coisa é irrefutável: haverá graves alterações climáticas se continuarmos a depender dos combustíveis fósseis como hoje. Afinal, 85% de toda a energia consumida no planeta advém desse tipo de fonte", acrescentou.
É nesse ponto que o lobby industrial desempenha um papel importante na falta de modernização das redes elétricas americanas, pois, ao menos a curto prazo, eles não querem perder as vantagens que retiram da exploração de combustíveis fósseis. "Há muito dinheiro envolvido nesse campo", disse o pesquisador.

Possíveis alternativas
Ainda de acordo com Rosa, já há algumas algumas fontes alternativas de energia, porém elas "ainda não são comercialmente viáveis". "A solução para crise energética americana deveria vislumbrar o fim gradual das grandes redes altamente interligadas, que seriam substituídas por células de combustível bem menores e menos poluentes."
"Uma solução ideal de substituição do sistema atual requererá um investimento de vários bilhões de dólares e demorará ao menos 20 anos para ser posta em prática, de modo gradual. Afinal, com as células de combustível, poderíamos ter instalações bem mais práticas e próximas aos centros urbanos, o que é impossível com usinas hidrelétricas ou nucleares", afirmou o professor.
Segundo ele, o presidente George W. Bush é favorável à substituição gradativa do sistema atual por células de combustível, mas a situação demanda mais que um parecer favorável dele. "O problema é que essa é uma solução muito demorada, que não surtiria efeitos políticos positivos imediatos. Assim, mesmo que estivesse realmente determinado a levar adiante o plano, Bush seria desencorajado por lobbies políticos."
Outra fonte de energia que, a longo prazo, poderá ser utilizada -não apenas nos EUA- é a eólica. "Não podemos nos precipitar, a energia eólica ainda não é totalmente confiável nem comercialmente viável, mas as pesquisas têm de continuar", explicou Rosa.

Crise inevitável
Para ele, de qualquer maneira, uma crise energética global será inevitável se não houver profundas mudanças nos hábitos de consumo atuais e nas normas de exploração das fontes de energia.
"A população terrestre cresce, em média, 1,4% ao ano, o que, obviamente, acarreta um aumento do consumo global de energia. Além disso, à medida que os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento avançam e passam a ter uma melhor infra-estrutura industrial, eles passam a consumir mais energia per capita que a que utilizam normalmente."
"Assim, a combinação de um aumento razoável da demanda per capita de energia com o crescimento da população total do planeta cria um ambiente em que fica muito difícil encontrar um equilíbrio ótimo. Ademais, há considerações industriais, políticas e ambientais que impedem o uso desenfreado de todas as fontes de energia. Torna-se, portanto, claro que uma crise será inevitável", analisou Rosa.


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