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Favorito, Tabaré Vázquez vê "renovação da esquerda"
DE BUENOS AIRES
Se confirmadas as pesquisas de
intenção de voto, o médico oncologista e ex-prefeito de Montevidéu (1990-94) Tabaré Vázquez
Rosas, 64, será o primeiro presidente de esquerda do Uruguai.
O candidato, que tem sido comparado ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva por suas propostas
de governo e principalmente por
suas idéias para a área econômica,
consideradas moderadas, disse
que segue "atentamente" as políticas públicas do brasileiro.
O candidato, apontado pelas
pesquisas como vitorioso já no
primeiro turno, no dia 31, disse
que o Mercosul é o coração" de
seu plano de governo. Para ele, a
eleição de presidentes de esquerda na América Latina é conseqüência não só do "fracasso do
modelo neoliberal", mas da percepção da sociedade e da capacidade de renovação da esquerda e
forças progressistas. Leia a seguir
os principais trechos de sua entrevista à Folha.
(CD)
Folha - O sr. pode ser o primeiro
presidente de esquerda da história
do Uruguai. Como encara isso?
Tabaré Vázquez - A prioridade
do nosso governo será exatamente a enorme dívida social que o
país tem com 1 milhão de uruguaios, ou seja, 33% da população, que vivem em condições de
pobreza e indigência, com os 57%
de crianças e jovens menores de
18 anos que são pobres ou indigentes e com 1 milhão de uruguaios com problemas de emprego. Tudo isso é inédito na história
do Uruguai e teremos de reverter
esses índices se quisermos ter um
futuro como nação.
Folha - E como pretende executar
essa reversão?
Vázquez - Incluímos em nosso
programa "Uruguai Social" um
plano de emergência social para
atender aos setores mais vulneráveis, que são crianças, adolescentes e mulheres que estão na indigência. A idéia é assegurar-lhes
alimentação e atenção sanitária e
odontológica em troca de que
crianças e jovens freqüentem a escola e os postos de saúde.
Para receber o salário social, terão de oferecer a contrapartida do
trabalho comunitário. Sabemos
que as soluções estruturais para
avançar na integração social são o
trabalho e a educação. Um segundo aspecto será a integração, porque o crescimento econômico por
si só não é suficiente. É preciso redistribuir. Se um governo progressista não trabalha duramente
nesse sentido, pode ser governo,
mas não é progressista.
Folha - Há uma espécie de consenso de que uma das maiores dificuldades do Uruguai é o forte estatismo que resiste a reformas. Seu
governo vai manter o poder do Estado?
Vázquez - O problema do Uruguai nesse caso não é o que você
chama de forte estatismo, mas o
uso clientelístico e até parasitário
do Estado que, durante décadas,
fizeram os sucessivos governos
que hoje se queixam do peso do
Estado e proclamam que a melhor maneira de reformá-los é
desmantelá-lo.
Nós expusemos claramente
nossa vontade e nosso compromisso de promover uma reforma
do Estado no sentido de fazê-lo
mais democrático, menos pesado,
mas transparente e mais eficiente,
ou seja, mais funcional a um projeto nacional de desenvolvimento
produtivo sustentável.
Isso, além do fator econômico,
da transparência e da honestidade, dará vigor aos investimentos e
tem um valor simbólico diante da
sociedade e dos próprios funcionários públicos. Vamos profissionalizar e qualificar a direção das
empresas estatais, mas temos que
ter definições claras em matéria
de energia, de política de telecomunicações e associações estratégicas entre empresas públicas e
privadas.
Folha - O que o sr. conversou com
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso quando esteve
com eles recentemente?
Vázquez - Com Lula, com quem
mantemos uma antiga e forte
amizade, além dos temas das relações bilaterais entre nosso países,
sobre o Mercosul e as políticas
que estão instrumentalizando o
governo e que seguimos atentamente. Falamos da experiência de
transição, que no caso do Brasil
nos pareceu muito exitosa. Com
Fernando Henrique falamos também sobre transição e organizamos um seminário em Montevidéu.
Folha - O atual governo, de Jorge
Batlle, reclamou do apoio do governo brasileiro à sua candidatura.
O assessor especial da Presidência
Marco Aurélio Garcia esteve em
Montevidéu com o sr. recentemente. Ele está participando da sua
campanha?
Vázquez - Marco Aurélio Garcia
participou em um desses seminários que montamos, um que se referia a integração regional e inserção internacional e foi convidado
pela Fundação Ebert da Alemanha.
Folha - Na sua opinião, por que os
eleitores da América Latina estão
votando em candidatos da esquerda?
Vázquez - Acho que há duas razões fundamentais. Em primeiro
lugar, porque as políticas neoliberais fracassaram em toda a região
e tiverem um forte impacto crítico
em nossas sociedades, e isso foi
percebido pela cidadania em nossos países, que também individualizou os responsáveis políticos
desses fracassos.
Em segundo lugar porque a esquerda, as forças progressistas da
América Latina, tiveram autoridade e capacidade política e inteligência para se projetar como uma
alternativa frente a esses fracassos.
Não foi apenas o fracasso das
forças tradicionais do poder, mas
também os acertos das forças progressistas e de esquerda que se renovaram, que estudaram a fundo
as situações nacionais e regionais
e desenvolveram e propuseram
estratégias políticas adequadas.
Folha - O presidente Jorge Batlle
tem posições claramente contrárias ao Mercosul. O que a sua vitória poderia significar para o bloco?
Vázquez - Completam-se na região, nos quatro países, as condições para um avanço importante
do Mercosul em todas as frentes.
No plano político, econômico, comercial, institucional, cultural e
humano.
Um avanço com projeção para a
América Latina e para o mundo,
pois ninguém tem uma vocação
de isolamento, mas de participação nos processos econômicos e
comerciais mundiais. Nossas definições sobre esse tema são parte
do coração de nosso projeto de
desenvolvimento nacional. O governo progressista vai trabalhar
incansavelmente para fortalecer
as relações do Uruguai com seus
vizinhos.
Conseqüentemente, se ganharmos, nossa primeira missão oficial no exterior será visitar os vizinhos do Mercosul, para abordar a
ampla agenda de temas em comum.
Iremos ao Brasil e à Argentina e
também ao hospitaleiro e heróico
Paraguai, com quem temos uma
dívida histórica. Vamos expressar
que aqui há um Uruguai que quer
mais diálogo, mais cooperação,
mais cultura, mas relação entre as
sociedades civis, mas investimentos e mais comércio com os vizinhos.
Um Uruguai fortemente comprometido com o processo de integração em um mundo complexo caracterizado pela presença
hegemônica de uma grande potência [EUA] e a existência de blocos políticos e econômicos em
permanente integração.
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