|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GEOPOLÍTICA
Reunião em Praga inicia reformas para adaptar aliança às novas ameaças globais e à agressividade diplomática dos EUA
Otan busca resolver sua crise de identidade
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Classificada de irrelevante após
os atentados de 11 de setembro de
2001 e imobilizada por conta de
uma crise de identidade, a Otan
buscará, em 21 e 22 de novembro,
em Praga, na República Tcheca,
reformar-se para adaptar seus
quadros às novas ameaças geopolíticas globais e à agressividade diplomática dos EUA, o mais influente de seus 19 membros.
A aliança militar ocidental, que
já conta com a Polônia, a República Tcheca e a Hungria, deverá
acolher em seu seio mais sete países do Leste Europeu: a Romênia,
a Bulgária, a Eslovênia, a Eslováquia, a Estônia, a Letônia e a Lituânia, chegando a 26 Estados.
Embora devam ser convidados
agora, esses países passarão por
um período de adaptação e só se
tornarão membros em 2004.
Ademais, George Robertson, secretário-geral da Otan, irá reiterar
a proposta de criação de uma força de reação rápida, de 21 mil homens, que seria capaz de agir ao
lado dos EUA em todo o planeta,
tese defendida por Washington
desde a última década.
Todavia, de acordo com especialistas consultados pela Folha,
se não for bem-sucedida em seus
esforços de modernização, a
aliança correrá o sério risco de
tornar-se um órgão de discussão
política estéril -útil para integrar
ex-membros do bloco comunista,
é verdade, porém ineficaz no contexto geoestratégico atual. A Rússia já é parceira estratégica da
aliança, e a China abriu negociações na última quinta-feira.
"Com o fim da URSS, a Otan teve seu papel político fortalecido
em detrimento do aspecto militar.
No entanto, percebendo que, ante
as novas ameaças que pesam sobre o mundo, como o terrorismo
e a proliferação de armas, ela poderia tornar-se ineficiente, Robertson decidiu lançar um projeto
de reformas. Este poderá dar novo alento à aliança", afirmou Joseph Nye, reitor da Kennedy
School of Government, da Universidade Harvard (EUA).
Com efeito, além da nova expansão da Otan para o Leste Europeu, o principal ponto da Cúpula de Praga será a criação de sua
força de reação rápida. Contudo,
no que se refere a esse aspecto,
também não faltam divergências.
Estas opõem sobretudo a França -e, em menor escala, a Alemanha- aos EUA e a seu maior
aliado europeu, o Reino Unido, e
envolvem a criação da força de
reação rápida da União Européia.
"Tony Blair [premiê britânico"
quer que a força militar européia
complemente o aparato bélico da
Otan. Ele teme que uma coincida
em parte com a outra e que a situação fique bloqueada. Há ainda
a questão do financiamento da
força européia, que ainda não foi
resolvida", explicou Christian Lequesne, especialista em UE do
Centro de Estudos e de Pesquisas
Internacionais (Paris).
De fato, para que sua força pudesse ser eficaz, os países da UE
teriam de elevar significativamente seus gastos militares, o que é
preconizado tanto por Washington quanto por Londres. As despesas militares do bloco correspondem a cerca de 2% de seu PIB
(total de riquezas). Desconsiderando a China, os EUA despendem mais nessa área que os outros 12 países que mais gastam.
Uma coisa é certa: não há espaço na cena internacional para as
duas estruturas militares caso elas
não sejam complementares. Isso
poderá também dificultar a criação da força da UE, pois Robertson já declarou que a da Otan poderia tornar-se funcional antes do
planejado -em meados de 2003.
O aspecto militar ofensivo da
Otan vem sendo esvaziado desde
a ofensiva em Kosovo, ocorrida
em 1999. A maior prova disso foi a
campanha militar no Afeganistão. Nela, embora os aliados tenham acionado a cláusula de defesa mútua da aliança, Washington preferiu formar uma coalizão
com parceiros específicos. Se
houver um ataque ao Iraque, ela
também não deverá ser utilizada.
"Em Kosovo, Washington percebeu que, em caso de crise, a estrutura decisória da Otan se torna
um entrave. Cada etapa tinha de
ser debatida com os outros membros da aliança, havendo a obrigação jurídica de que a resolução final fosse consensual", analisou
Bruno Tertrais, da Fundação para
a Pesquisa Estratégica (Paris).
Com a expansão, essa situação
não deverá deteriorar-se, já que os
futuros membros, mais que a
França, por exemplo, tenderão a
alinhar-se aos EUA (o fantasma
russo ainda assombra). Todavia,
se, em Praga, o consenso não deixar de ser obrigatório, a Otan não
resolverá sua crise de identidade.
Texto Anterior: Turquia: Moderado é indicado para liderar novo governo Próximo Texto: Geopolítica decide convite a novos membros Índice
|