São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004 |
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AMÉRICA LATINA Consulta é sobre exploração de gás, tema que já derrubou um presidente; oposição quer rever atuais contratos Bolívia testa democracia hoje em plebiscito
FABIANO MAISONNAVE DA REDAÇÃO Cercada de impasses e acompanhada de perto pelo governo brasileiro, a Bolívia testa hoje seu frágil sistema democrático num plebiscito sobre como o país explorará suas imensas reservas de gás natural, apenas nove meses depois dos protestos contra a exportação do produto que levaram o então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada à renúncia. A cédula da consulta contém cinco confusas perguntas com as alternativas "sim" ou "não" - o governo, que formulou as questões, defende que todas sejam respondidas afirmativamente. "O plebiscito servirá para que sejam estabelecidos os alinhamentos gerais da política energética, que será retocada e ajustada", disse à Folha o delegado presidencial (com status de ministro) Francesco Zaratti, porta-voz do governo do presidente Carlos Mesa sobre o plebiscito. Segundo ele, caso o governo ganhe -pesquisas recém-divulgadas indicam isso-, Mesa enviará até 20 de agosto ao Congresso um novo projeto de lei sobre hidrocarbonetos. Zaratti diz que a proposta do governo prevê uma "nacionalização responsável". Como exemplo, cita a proposta do governo que prevê que novos contratos de venda possam ser feitos entre Estados, em vez de entre empresas. "Temos ensaiado esse modelo com a Argentina e queremos repeti-lo com o México, no qual as empresas operam, mas os Estados fixam as condições", disse. Oposição O MAS (Movimento ao Socialismo), do líder cocaleiro Evo Morales e segunda força no Congresso, tem uma divergência sobretudo conceitual: os socialistas querem que o plebiscito seja utilizado para fazer uma revisão dos contratos. Já o governo afirma que as eventuais mudanças só valerão para contratos novos. "Todos os contratos devem ser revisados, por várias razões. A primeira é que esses contratos são contrários à Constituição ao conceder-lhes a propriedade dos hidrocarbonetos na boca do poço [após sua extração]", disse à Folha o deputado Antonio Peredo, líder do MAS no Congresso. Mais radical e rompido com Morales, o líder indígena Felipe Quispe lidera um grupo de sindicatos e associações comunitárias do altiplano que querem a expropriação e nacionalização de todas as empresas do país -proposta descartada pelo governo. Mas Quispe está longe cumprir a promessa de paralisar o país. Anteontem, seu principal protesto reuniu apenas cem pessoas. Batalha no Congresso Para analistas, o Congresso deverá ser uma batalha mais dura do que a das urnas, cujo resultado final deve ser conhecido apenas no início de agosto. Sem partido e com um gabinete formado apenas com membros não-filiados, Mesa, que até outubro era o vice-presidente de Sánchez de Lozada, conta sobretudo com o apoio popular para aprovar sua reforma. "Obviamente, o plebiscito representa um respaldo forte a uma negociação. É muito mais fácil para o governo negociar tendo o apoio da população", diz Zaratti. No entanto o MAS, até agora um aliado importante do governo no Congresso, ameaça abandoná-lo: "Mesa tem de entender que a lei será discutida e decidida no Parlamento. Se ele quiser levar adiante uma determinada política, terá de fazê-lo com os partidos tradicionais, afastados pelo povo no dia 17 de outubro. Não poderá fazer conosco", diz Peredo. Petrobras Bolívia O plebiscito preocupa o Brasil sobretudo pelo volume de investimentos da Petrobras na exploração de gás: junto com suas sócias, a estatal brasileira tem US$ 1,5 bilhão investidos e cerca de 800 funcionários diretos e 11,2 mil indiretos. Trata-se do maior investimento da estatal no exterior. No dia 8 de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Santa Cruz de la Sierra para demonstrar apoio a Mesa e às suas propostas. O peso da estatal para a empobrecida Bolívia, no entanto, é muito maior -sozinha, a holding Petrobras Bolívia representa cerca de 15% do PIB boliviano e 20% da arrecadação total de impostos. O diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, disse que o gás terá um papel cada vez mais estratégico para o Brasil: "Acabamos de aprovar um plano estratégico que prevê o crescimento do consumo de gás em 14,2% ao ano, atingindo cerca de 90 milhões de metros cúbicos em 2010, dos quais acreditamos que 30 milhões venham da Bolívia". Segundo ele, "o gás natural vai ocupando no Brasil o lugar de [combustíveis] líquidos, que deixarão de ser importados, como o diesel, e outros que terão sua exportação aumentada, como a gasolina e o óleo combustível". Texto Anterior: Americanos pagam avião para levar mexicanos de volta Próximo Texto: Sociedade: Ativismo gay causa homofobia, diz Anistia Índice |
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