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SOCIEDADE
Para a ONG, movimentos de afirmação homossexual provocam reação cada vez maior de "coalizão" conservadora
Ativismo gay causa homofobia, diz Anistia
FÁBIO ZANINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES
O ativismo dos homossexuais,
que conquistam cada vez mais direitos e obtêm mais exposição, está, como efeito colateral, alimentando a homofobia no mundo.
O aparente paradoxo é apontado em um novo estudo publicado
pela Anistia Internacional, uma
das principais organizações de
defesa dos direitos humanos do
mundo, baseada em Londres.
Com o título "Sex, Love and Homophobia" (sexo, amor e homofobia), o estudo da jornalista e
pesquisadora britânica Vanessa
Baird mistura relato histórico da
homofobia no mundo e relatório
sobre a situação atual. Traz uma
tese polêmica: há otimismo demais entre os que aplaudem as vitórias dos homossexuais.
Ao entusiasmar-se com a proliferação mundial de passeatas do
orgulho gay e de legislações prevendo união de pessoas do mesmo sexo, os defensores dos direitos dos homossexuais estão fazendo uma opção perigosa, segundo o estudo. Estão ignorando
um forte movimento contrário.
"É positivo elogiar, sentir-se
bem com os avanços. Mas temos
de ter em mente também que vivemos um período bastante paradoxal, extremo. Um período mais
tolerante para os homossexuais
em muitos sentidos, mas que
também está ficando mais violento e intolerante. Há uma reação",
disse Baird à Folha.
O crescimento da homofobia,
segundo Baird, deriva do aumento da exposição dos homossexuais, do fato de cada vez mais
pessoas "saírem do armário".
O estudo identifica a África Subsaariana como o maior foco desse
movimento no mundo atualmente, por ser uma região em que o
ativismo gay apenas engatinha.
"Em muitos países da África, há
dez anos muitas pessoas acreditavam que o homossexualismo não
existisse, que não fosse parte de
sua cultura. Agora, há grupos, ativistas, pessoas provando que existe. Na medida em que o tema é
mais discutido, ele atrai hostilidade", afirma a autora.
O livro aponta exemplos. Em
Uganda, país em geral elogiado
pela comunidade internacional
por sua política de combate à
Aids, o governo de Yoweri Musenveni passou a aplicar sistematicamente um dispositivo do código penal que proíbe "intercurso
carnal contra a ordem natural",
um eufemismo para relação homossexual. Em razão disso, gays
podem pegar prisão perpétua.
Na Namíbia, o presidente Sam
Nujoma rotineiramente ataca o
homossexualismo como um conceito ocidental, parte de um complô internacional que visa "recolonizar" o continente. O homossexualismo é ilegal no país.
Segundo a Anistia, a África lidera em número de países em que o
homossexualismo é crime. Dos 53
países do continente, 34 condenam a prática (64%). Na Ásia, são
27 em 43 (62%). No total, 76 países consideram o homossexualismo ilegal -em oito é punido com
pena de morte e em sete, com prisão perpétua.
Mas a reação do "movimento
homofóbico" não está restrita
geograficamente. A Anistia aponta novas leis condenando o homossexualismo em lugares tão
díspares como Nicarágua e Fiji.
O estudo da Anistia é pobre em
estatísticas a respeito do crescimento da homofobia no mundo.
A autora baseia sua tese na avaliação de que existe uma "coalizão"
homofóbica internacional, na
maioria das vezes informal e sem
ligação, mas em alguns casos
atuando de modo coordenado.
Movimentos religiosos, de acordo com a Anistia, têm um papel
fundamental na disseminação da
homofobia. Baird destaca igrejas
evangélicas nos EUA, o Vaticano
e o fundamentalismo muçulmano como "líderes" dessa coalizão,
mas não apenas eles. Lideranças
judaicas e hindus também têm
adotado uma postura cada vez
mais agressiva, segundo ela.
Em recentes conferências da
ONU sobre população, racismo e
direitos das mulheres, por exemplo, esses grupos ajudaram a derrubar medidas que reconheciam
direitos específicos dos homossexuais. Uma delas, apresentada
por Brasil e África do Sul no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da ONU, teve de ser retirada no começo desse ano para evitar uma derrota.
A "coalizão" enxergada pela
Anistia é ampla e não se restringe
à religião. Inclui desde gangues
violentas até movimentos políticos, como a iniciativa da Casa
Branca de emendar a Constituição para banir o casamento gay,
derrotada nesta semana.
Baird não vê problema em categorizar elementos tão diferentes
sob o mesmo rótulo de "homofóbicos". "São todas manifestações
de um medo que existe do homossexualismo", justifica.
Ela também cita o cada vez
maior número de estudos "científicos" mostrando que o homossexualismo seria um distúrbio que
pode ser curado, e o surgimento
de artistas pop, como o rapper
Eminem, cujas letras são consideradas preconceituosas.
"O hip-hop e o rap também
contribuem para a homofobia
com suas letras. Alguns rappers
jamaicanos defendem que se
queimem homossexuais. Isso é
incitação a assassinato", diz
Baird, que pede censura.
Na América Latina, a reação homofóbica se manifesta de forma
peculiar. Poucos países no continente têm legislação dura contra
os gays, e alguns lugares, como
Brasil, Equador, México e Argentina, têm estado na vanguarda da
aprovação de medidas contra a
discriminação.
No entanto é na América Latina
que ocorrem alguns dos mais violentos ataques contra homossexuais. Brasil e Argentina "lideram" nesse quesito. "Na América
Latina, as coisas são mais abertamente expressas, estão mais próximas da superfície, afloram mais
facilmente em comparação, por
exemplo, com a realidade britânica", afirma a pesquisadora.
Uma vez que a maior exposição
dos gays provoca reação, muitas
vezes violenta, seria preferível então que a comunidade homossexual permanecesse "no armário"?
Baird diz que não há resposta
fácil: na hora de delinear estratégias, ativistas devem calcular as
possibilidades de êxito e ter em
mente que pode haver uma reação que colocaria em risco a sobrevivência do movimento. Mas
ela afirma que, no geral, a luta por
direitos continua valendo a pena.
"Os gays de ontem sofriam com
o silêncio. Os de hoje sofrem com
a violência. Então a situação piorou? Não. O silêncio é provavelmente pior."
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