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Parada gay não barra avanço da homofobia em SP
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
A cidade que se orgulha de ter a
maior parada gay do mundo coleciona relatos que evidenciam o
paradoxo de o aumento da visibilidade gay vir acompanhado do
crescimento da homofobia.
"Fui arrastada pelos cabelos em
uma delegacia", conta a transexual Marcela, 31 - que tinha ido
ao local registrar queixa contra a
agressão sofrida em uma rede de
fast food.
A travesti Deisy, 32, diz que recebeu golpes de cassetete ao se recusar a atender à ordem policial
de sair da rua onde faz programa.
Já João Paulo de Almeida -
"uma menina", no relato da mãe,
Nilza de Almeida- teve pior sorte. Foi assassinado com três tiros,
aos 21 anos, numa manhã de sábado, supostamente por um motoboy. O crime permanece sem
solução há quase dois anos.
"Um dia ele chegou em casa
muito machucado. Disse que tinha caído de um carro, mas eu
acho que bateram nele e que ele
mentiu para não me fazer sofrer",
disse dona Nilza, 57, à Folha.
São Paulo lidera
Na ausência de dados oficiais
sobre a homofobia, são os próprios ativistas do movimento gay
que fazem o levantamento, com
base em reportagens e denúncias.
Esses levantamentos colocam
São Paulo como o Estado líder em
assassinatos de homossexuais: 71
casos entre os anos 2000 e 2002,
segundo o Grupo Gay da Bahia
(GGB).
"Os dados com certeza são subestimados. Faltam informações
de sete Estados e, em muitos casos, a família esconde a homossexualidade da vítima ou a polícia
não a revela", explica Luiz Mott,
fundador do GGB. Ainda assim, a
média no Brasil é alta: um assassinato a cada três dias.
"A gente vê os casos sempre
com indignação, mas é uma rotina", diz Mott. "São considerados
crimes de ódio porque são cometidos com muita violência, muitos
instrumentos, tortura, número
elevado de golpes e, algumas vezes, com violência sexual."
Os ativistas explicam a violência
como uma reação da sociedade.
"A comunidade homossexual está dando dois passos adiante, mas
a sociedade em geral tenta barrar
esse avanço da única maneira que
sabe lidar com a divergência, que
é a violência", avalia Reinaldo Pereira Damião, presidente da Associação do Orgulho GLBT de SP.
Para ele, as paradas contribuem
para uma falsa sensação de liberalidade. "Mas, no dia seguinte, a
realidade bate à porta."
Homofobia em casa
Segundo os ativistas, a realidade
vem na forma da violência institucional praticada pelas igrejas,
apontadas como preconceituosas, pela escola, tida como um
ambiente hostil, e pela polícia,
que abusa do poder.
"Um travesti raramente consegue terminar o ciclo básico",
exemplifica Beto de Jesus, do Instituto Edson Néris. A extorsão policial, conta, não poupa nem toca-fitas e perfumes das travestis.
As famílias também não ficam
atrás. "A homofobia começa dentro de casa", diz Mott. Ativistas recebem semanalmente casos de
adolescentes homossexuais expulsos de casa.
"A realidade da gente é tão diferente da realidade das outras pessoas da sociedade, é tão medonha.
Algumas pessoas têm um ódio
tão mortal contra a gente a ponto
de querer nos colocar num campo de concentração", desabafa
Deisy.
Apesar do quadro, o movimento é otimista. "Não dá para dizer
que a sociedade não esteja violenta, mas ela também está diferente.
A cada geração vamos aplainando
o caminho", diz Beto de Jesus.
A iniciativa do governo federal
de implementar o Plano Nacional
contra a Homofobia é elogiada.
Mas, para Mott, falta um passo:
"Ainda temos esperança de que o
presidente Lula aceite usar o boné
com o arco-íris do movimento
gay".
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