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MISSÃO NO CARIBE
Esforço liderado pelos brasileiros vai além de prover segurança
No Haiti, Brasil encara tarefa de "construção de nações"
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Discretamente, bem aos poucos, meio até mesmo sem saber o
que fazer e como agir em detalhe,
o Brasil está embarcando, no Haiti, em uma das mais delicadas tarefas da política internacional: a
"construção de nações".
Os 1.200 soldados brasileiros
hoje no Haiti são apenas a face
mais visível do esforço internacional para transformar o mais pobre país em uma nação minimamente viável.
A comunidade internacional
não tem bom desempenho em tarefas desse gênero. Os americanos
se meteram a transformar o Iraque, mas a crise da ocupação está
estampada todo dia nos jornais.
Os Bálcãs continuam intratáveis
-têm de ser patrulhados por militares da Otan (aliança militar
ocidental). Estados falidos da
África continuam marcando presença nos últimos postos nas listas de desenvolvimento humano.
Uma rara exceção foi Timor
Leste, onde também atuam brasileiros, na força de paz e em vários
projetos de cooperação, educação, agricultura e treinamento
profissional. Mesmo pobre
-mas com o potencial de ter recursos da exploração de petróleo-, o mais novo país independente do mundo conseguiu criar
instituições democráticas e aos
poucos faz o Estado funcionar.
O Haiti é a bola da vez -e recebe sua segunda missão da ONU
em uma década, depois de uma
crise político-militar.
"Dois aspectos são inseparáveis:
segurança e desenvolvimento",
disse o ministro da Defesa brasileiro, José Viegas Filho, durante
uma visita ao Haiti, dias atrás.
"Não há segurança se não há
progresso; não há progresso se
não há segurança", acrescentou a
ministra da Defesa do Chile, Michelle Bachelet, que também visitava as tropas de seu país.
Viegas enfatizou a importância
da ação multilateral para reformar o Haiti, país que, em 200 anos
de vida independente, teve cerca
de 30 golpes de Estado e cuja última crise resultou no exílio do presidente Jean-Bertrand Aristide,
em fevereiro passado.
Uma força composta por tropas
de EUA, França, Canadá e Chile
restaurou a ordem no país, antes
de passar o mandato para a atual
missão da ONU, cujo componente militar é chefiado pelo general-de-divisão brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira.
Recursos humanos
O governo brasileiro não tem
verba própria para ajudar o país
caribenho, mas pode ajudar de
outras formas, com recursos humanos. O financiamento poderia
vir dos países que tradicionalmente doam dinheiro ao Haiti,
como EUA e Canadá.
O premiê haitiano, Gérard Latortue, disse a Viegas que o país
precisa de coisas simples, como
alguém que ensine a população
rural a produzir farinha de mandioca ou a furar poços.
O ministro Nilmário Miranda,
da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência,
aproveitou a viagem ao Haiti para
fazer contatos tanto com o governo como com a oposição -os
partidários de Aristide. "Ainda há
violação dos direitos humanos,
mas não sistemática."
Aristide e seus correligionários
reclamam que foram vítimas de
um golpe patrocinado pelos EUA.
Mas mesmo eles não reclamam
da presença brasileira no país.
"Pelo menos é o Brasil", é como
reagem, segundo Nilmário.
A simpatia que os brasileiros
despertam está ajudando a missão. O general Heleno comenta
que os haitianos não paravam de
lamentar a derrota da seleção brasileira pelo Paraguai na Copa
América. O jogo de futebol entre
as seleções do Brasil e Haiti, marcado para 18 de agosto, é aguardado com ansiedade no país.
Influência dos EUA
Mas, se os brasileiros têm a simpatia, quem tem os recursos são
os americanos. Sem o apoio dos
EUA, as forças da ONU vão ter
mais dificuldades na sua missão,
especialmente quando for necessário desarmar as milícias.
Essa avaliação foi feita por James Dobbins, um diplomata conhecedor não só do país caribenho, mas também especialista nas
tentativas americanas de "construção de nações" -foi enviado
do atual governo americano ao
Afeganistão e trabalhou para o
governo Clinton (1993-2001) no
Haiti, nos Bálcãs e na Somália.
"Os objetivos têm de ser realistas", disse Dobbins à Folha. "É
possível dar uma contribuição
positiva ao país." Em depoimento
recente ao Senado americano,
Dobbins defendeu maior ajuda
econômica ao país. "Só os EUA
têm influência real no Haiti."
Apesar dessa ênfase no papel
dos EUA, Dobbins acredita que a
força da ONU possa ter um papel
importante. "A ONU já demonstrou ser capaz de realizar coisas
com poucos recursos. Se não deixará o Haiti mais próspero, pelo
menos o deixará mais seguro."
Um relatório divulgado na semana passada pelo governo interino haitiano e por várias instituições internacionais, entre as quais
a ONU e o Banco Mundial, revelou que o Haiti vai precisar de US$
1,3 bilhão nos próximos dois
anos. Hoje já estão disponíveis
US$ 440 milhões. Uma conferência dos países doadores, marcada
para amanhã e terça-feira, no
Banco Mundial, em Washington,
debaterá como obter os recursos.
O jornalista Ricardo Bonalume Neto
viajou ao Haiti a convite do Ministério da
Defesa.
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