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EUA
Estudo diz que indústrias farmacêuticas pagam para que atores de Hollywood elogiem seus produtos quando dão entrevistas
Astros ganham para falar bem de remédios
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
A indústria farmacêutica tem
mais pontos em comum com a indústria do tabaco do que gostaria
de admitir. Um estudo divulgado
na semana passada afirma que
grandes laboratórios pagaram a
atores de Hollywood para que eles
falassem positivamente de remédios em entrevistas.
A prática já havia sido amplamente utilizada pelos fabricantes
de cigarro entre 1978 e 1988, conforme revelou em março último a
revista "Tobacco Control", vinculada à British Medical Association, baseada em 1.500 documentos reservados que foram tornados públicos em 1998 depois do
acordo do setor com o Departamento da Saúde dos EUA.
Mas ninguém havia admitido
até agora que o setor de remédios
também a usava. A descoberta
veio depois que alguns jornalistas
especializados em entretenimento estranharam uma rara entrevista dada pela atriz veterana Lauren Bacall, em março, ao programa matinal "Today", da emissora
de TV aberta NBC.
Na conversa, a ex-mulher de
Humphrey Bogart (1889-1957), de
77 anos, revelou que sofria de
uma rara doença degenerativa
nos olhos. Depois de dizer que
quase havia ficado cega, elogiou
os efeitos de um remédio chamado Visudyne, indicado para o tratamento da degeneração macular
relacionada à idade -mácula é
uma mancha na retina.
Nem ela nem a emissora avisaram os telespectadores que a atriz
estava sendo paga.
Com a curiosidade da repórter
Melody Petersen, do "New York
Times", um porta-voz do Novartis, que fabrica o remédio, acabou
confirmando o merchandising
velado. "Sim, nós a compensamos
por seu tempo", disse Yvonne
Johnson, médica da divisão oftalmológica do laboratório suíço,
que não quis revelar o valor pago.
A admissão abriu caminho para
que, nos últimos dias, diversas
outras empresas viessem a público admitir a prática.
Assim, soube-se que, pelo menos de 12 meses para cá, atores como Rob Lowe, até o mês passado
na série televisiva "The West
Wing", Kathleen Turner, atualmente em cartaz na Broadway
com a versão teatral do filme "A
Primeira Noite de Um Homem",
e Danny Glover, da cinessérie
"Máquina Mortífera", entre outros, também concordaram em
elogiar remédios por dinheiro.
No caso de Kathleen Turner, em
entrevista para divulgar sua peça,
ela disse há algumas semanas à
âncora Diane Sawyer, da emissora ABC, que as novas drogas para
artrite reumatóide eram "extraordinariamente eficazes" e que não
apresentavam efeitos colaterais
-ela realmente sofre da doença
atualmente.
No final, chegou a recomendar
um site sobre o assunto, mantido
por uma associação de laboratórios. A atriz esqueceu-se de dizer,
no entanto, que é contratada tanto pela Wyeth quanto pela Amgen, do site, justamente para discutir em público as vantagens dos
remédios que ambas fabricam.
Ninguém revela em torno de
quanto gira o cachê desta prática
novíssima, mas sabe-se que o
mercado de publicidade farmacêutica gira US$ 2,7 bilhões por
ano só nos Estados Unidos.
O ponto que vem causando
mais polêmica é que em nenhum
momento o telespectador é informado de que os profissionais em
questão estão recebendo para fazer a propaganda indireta do medicamento. A se acreditar nas redações dos programas em questão, nem mesmo os jornalistas envolvidos sabem do acordo.
Em algumas ocasiões, geralmente em programas de ficção, os
produtos são citados apenas porque os roteiristas gostam genuinamente dos remédios. Foi o caso, garantem seus produtores, de
um episódio da série policial "Law
and Order" que teve como tema o
anticancerígeno Gleevec, fabricado pela mesma Novartis.
Acontece que este não é o momento mais ético para um setor
frequentemente acusado de colocar os interesses financeiros acima dos de seus clientes. Na terça,
o jornal da Associação Médica
dos EUA revelou que a indústria
farmacêutica sofreu pressão dos
fabricantes de cigarro nos anos 80
e 90 para não comercializar produtos que auxiliam pessoas a se livrar do vício da nicotina.
Algumas empresas cederam e
de fato deixaram de fabricar produtos como adesivos para serem
colados na pele e chicletes que
ajudam o fumante a largar o vício.
Assim como a já citada revelação
da ligação entre Hollywood e a indústria do tabaco, a descoberta é
baseada nos documentos que viraram públicos em 1998.
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