São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2008

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Rapidez de ataque mostra ressurgência militar russa

Para analistas, crise derruba tese de mundo unipolar

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A história não só não terminou, como voltou com sede de vingança. O conflito no Cáucaso deixou claro que a Rússia voltou a ser uma potência militar de primeira grandeza, depois de anos de decadência de suas Forças Armadas.
Não se trata de um retorno da Guerra Fria entre os blocos capitalista e comunista. Mas, sim, de uma volta à política de balanço de poder típica, por exemplo, da Europa do século 18. Vladimir Putin lembra mais a czarina Catarina, a Grande, do que o ditador Josef Stálin.
De repente, contar tanques, mísseis e aviões voltou a ser prioridade para os analistas geopolíticos. E renegociações de tratados militares voltarão a ser prioridade diplomática -nos próximos anos, devem expirar tratados russo-americanos de armas nucleares.
"Como tão freqüentemente na história, um canto improvável e quase desconhecido do mundo se tornou o ringue para um teste de força entre grandes potências", diz o historiador militar britânico Max Hastings.
Ele lembra que "quando a União Soviética entrou em colapso, disseram-nos que no futuro viveríamos em mundo "unipolar", com os EUA como única superpotência". Um dos que disseram isso foi o ensaísta Francis Fukuyama, um "guru americano então na moda", diz.
Em 1992, com a URSS esfacelada, Fukuyama escreveu "O Fim da História e o Último Homem", no qual argumenta que com o fim do conflito ideológico da Guerra Fria, os valores da democracia liberal ocidental tinham triunfado. Para Hastings, essa é uma tese "idiota".
Os russos deram a volta por cima. Não só a economia ficou mais pujante com a exportação de combustíveis fósseis, como as Forças Armadas foram lentamente revitalizadas.
Obviamente, o minúsculo Exército da Geórgia não é um páreo duro para os russos, mas a rapidez no ataque mostra um grau de eficiência até agora não visível. E a facilidade com que os dois lados usaram armas nada "cirúrgicas", como lança-foguetes BM-21, capazes de destruir grandes áreas, mostra um desprezo pela população civil.
Em 1985, na etapa final, mas ainda no auge da Guerra Fria, a então União Soviética tinha 5,3 milhões de homens nas Forças Armadas, contra 2,1 milhões de militares americanos, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. Em 2000, esse número tinha caído para 1,5 milhão na Rússia e 1,3 milhão para os EUA.
A queda não foi só em quantidade. O enorme arsenal acumulado em décadas foi sendo sucateado por falta de verba para manutenção, e as indústrias bélicas não recebiam pedidos de equipamentos novos, o que se refletiu diretamente na capacidade de modernização.
O complexo militar-industrial russo se manteve à tona graças a exportações. Os principais clientes são a China e a Índia, mas as mais recentes vendas para a Venezuela de fuzis, aviões e helicópteros contribuíram para a sustentação da indústria bélica.
A Marinha russa também realizou neste ano exercícios em larga escala no Atlântico, incluindo o lançamento de mísseis de cruzeiro com capacidade nuclear, algo que não ocorria há 15 anos.
"As autoridades russas acreditam que os EUA passaram o zênite como uma potência global e que uma nova ordem mundial multipolar precisa ser construída. A preocupação de Washington com o Iraque, o Afeganistão e o terrorismo jihadista provê uma oportunidade valiosa para uma Rússia renascente estender suas influências em regiões chave adjacentes ao seu território", diz o analista Janusz Bugajski.


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