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ANÁLISE
Mídia dos EUA perpetua era Bush
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
Nomes do establishment da
política externa americana já
vieram a público anunciar que
estamos em um mundo "apolar". Outros falam em "multipolaridade", alguns ainda em
era "pós-americana". Os Estados Unidos, dizem em coro,
continuam a ser uma potência
econômica e militar sem igual,
mas perderam poder relativo.
Era evidente que, nessas circunstâncias, o avanço americano em regiões que os russos
consideram parte de sua "zona
de segurança" encontraria resposta, nem que fosse sob a forma de mais uma guerra por
procuração, como a que ocorre
no Cáucaso.
Mas boa parte da imprensa
americana e a imensa maioria
dos seus chamados formadores
de opinião parecem não ter sido avisados disso. Do "New
York Times" à CNN, houve
pressão contínua sobre o governo Bush para que fossem tomadas medidas de força contra
a Rússia.
Os âncoras e jornalistas estão
excitados por terem reencontrado em Vladimir Putin um
inimigo menos ubíquo do que
Bin Laden. A volta, como se
possível, à bipolaridade da
Guerra Fria, afinal tão simples,
é uma perspectiva saudada com
indisfarçável frenesi.
Encurralado em uma entrevista coletiva, o secretário da
Defesa Robert Gates, veterano
do combate ao "império do
mal" soviético, teve de acrescentar um "fui claro?" quando
questionado pela terceira vez
se mandaria tropas para expulsar os russos do país ao qual os
americanos prometeram o ingresso na Otan e que, em troca,
forneceu 2.000 homens para a
ocupação do Iraque.
Quem mais tenta tirar partido desse clima é John McCain,
que elevou sua retórica a tal
ponto que teve que soltar um
comunicado para dizer que
não, ele não mandaria soldados
americanos para lutar contra o
urso renascido.
Um artigo na página on-line
da revista esquerdista "The Nation", de leitura marginal e que
apóia Barack Obama, levantou
a possibilidade de que McCain,
cujo principal assessor de política externa foi lobista do governo georgiano, tenha estimulado o pequeno país a provocar
a Rússia, sabendo que a volta do
fantasma da Guerra Fria poderia favorecê-lo contra o democrata.
Essa é, aliás, a mesma teoria
conspiratória que corre entre
oposicionistas na Geórgia, que
se preparam para dar o bote no
presidente pró-ocidental. Do
ponto de vista de Moscou, seria
um fecho de ouro para a operação que mimetizou a ofensiva
dos EUA contra o ditador sérvio Slobodan Milosevic, nos
anos 90.
Confrontados de passagem
com as analogias do Iraque e da
Sérvia, em debate na CNN, o
neoconservador Robert Kagan
e o conservador moderado Michael O'Hanlon, do Instituto
Brookings, logo as puseram de
lado argumentando que tanto
Saddam quanto Milosevic
eram déspotas, enquanto o
georgiano Mikhail Saakashvili
é um democrata formado em
Harvard.
A imprecisão do elogio ao
georgiano, que vinha se firmando como mais um autocrata,
confirma que recorrer a imperativos morais para justificar
jogos de poder é terreno pantanoso. A Rússia alega que avançou sobre a Geórgia para proteger os separatistas da Ossétia
do Sul e da Abkházia das ações
do "lunático" Saakashvili.
Quem acreditaria em tamanho
desprendimento?
É verdade que é possível pescar na cobertura americana reflexões sobre a eventual indisponibilidade de soldados para
combater no Cáucaso, quando
há 200 mil no Afeganistão e no
Iraque, ou sobre a oposição de
França e Alemanha a um confronto com a Rússia. Mas elas
ficaram soterradas sob a linha-dura midiática. A guerra no
Cáucaso transformou em pó a
idéia de que o fim do governo
Bush enterraria os instintos
mais messiânicos de uma era
de ilusões unipolares que ele levou ao paroxismo.
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