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GUERRA SEM LIMITES
Khaled Darwich, detido na onda de prisões pós-11 de setembro, diz ter sido discriminado por sua origem árabe
Paulistano preso nos EUA relata "pesadelo"
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O paulistano de origem árabe
Khaled Darwich, 21, preso há quase nove meses nos EUA, diz ter a
impressão de "patinar num pesadelo": apesar de ter sentença de
extradição para o Brasil decretada
desde o dia 19 de fevereiro ainda
não conseguiu sair do país.
Em vez de voltar ao Brasil, onde
viveu até os 11 anos, ele, que estava preso no Mason Detention
Center, em Memphis (Tennessee), foi transferido para duas prisões diferentes, ambas no Estado
da Louisiana, no sul do país.
No dia 20 de setembro, nove
dias depois do ataque terrorista
aos EUA, Darwich foi preso pelo
FBI (polícia federal americana)
em sua casa, em Memphis.
Oficialmente, ele foi preso por
ser um imigrante ilegal. Extra-oficialmente, foi considerado suspeito de participar de uma rede
terrorista em razão de ser genro
do terrorista egípcio El Sayyid
Nosair, condenado à prisão perpétua, em 1996, pelo assassinato
do rabino extremista Meir Kahane, ocorrido em novembro de
1990, em Nova York. Nosair também esteve envolvido no primeiro atentado aos edifícios do
World Trade Center, em 1993.
Após a prisão de Darwich, um
funcionário do Departamento de
Estado norte-americano disse à
Folha que "parentesco não é crime" e que o paulistano estava detido apenas para "averiguação".
Três meses depois que ele foi
preso, a família de Darwich foi informada de que ele não era mais
considerado suspeito de terrorismo. Estava preso em razão de estar ilegalmente no país.
Ele permaneceu preso no Mason Detention Center até março.
De lá, foi transferido para uma
prisão em Nova Orleans (Louisiana), onde ficou durante um mês.
Na última segunda, Darwich foi
transferido para uma prisão da
qual nem sequer sabe o nome.
De lá, anteontem à noite, ele
conversou com a Folha por telefone e pediu ajuda ao governo
brasileiro. A seguir os principais
trechos da conversa que durou
cerca de 15 minutos.
Folha - Você tinha contato com El
Sayyid Nosair, envolvido no atentado ao WTC em 1993 e condenado
à prisão perpétua em 1996 pelo assassinato de um rabino?
Khaled Darwich - O Sayyid telefona para minha mulher e para os
outros filhos há mais de dez anos.
Ele é o pai dela e eu jamais pediria
que ele parasse de telefonar para a
nossa casa. Não pensei que pudesse ter problemas por causa
disso, até porque nunca falei com
ele. Depois de 11 de setembro, o
FBI passou a investigar as pessoas
que cometeram o atentado contra
o World Trade Center em 1993 e
descobriram os telefonemas. Fui
preso por causa disso. Não havia
provas contra mim.
Folha - Como você foi tratado na
primeira prisão, no Tennessee?
Darwich - Fui colocado sozinho,
num quarto [cela" fechado, muito
pequeno. Eu só podia falar ao telefone uma vez, apenas durante 15
minutos. Fiquei cem dias nesse
lugar. Havia outro árabe num
quarto fechado perto do meu.
Folha - Você tomava sol?
Darwich - Sempre chamavam a
mim e ao outro árabe para pegar
sol às 5h30 ou 6h, quando ainda
estava muito frio.
Poderíamos ficar uma hora fora, mas eu sabia que, se saísse, ficaria doente, então não ia. Só tomávamos banho às segundas,
quartas e sextas, durante 15 minutos. Depois cortavam a água.
Após cem dias vivendo nessa situação, me tiraram desse quarto e
me colocaram com outros presos.
Folha - No Mason, os árabes eram
tratados de forma diferente dos
outros prisioneiros?
Darwich - Só nós dois estávamos
em quartos fechados. Esse outro
árabe também era suspeito de terrorismo. Como não havia provas
contra nós, usaram a desculpa da
imigração [ilegal" para nos prender e investigar.
Folha - Houve castigos físicos?
Darwich - Só mentais. No primeiro em dia que fui preso me colocaram num quarto, fecharam a
porta e me deixaram umas oito
horas sem água e comida.
Lá dentro era muito quente.
Lembro de que suava sem parar.
Depois desse tempo abriram a
porta e me avisaram de que eu seria interrogado pelo FBI.
Três agentes me fizeram perguntas, só que eu estava cansado.
Fiquei tonto. Eles usaram essa tática para eu ficar cansado e falar.
Folha - Depois de ficar provado
que você não tinha ligação com terrorismo, o tratamento melhorou?
Darwich - Sim. Mas os guardas
da Mason me conheciam e diziam
que escutavam todas as minhas
conversas ao telefone.
Folha - Como você soube que não
era mais considerado suspeito?
Darwich - Agentes do FBI [polícia federal dos EUA" me disseram
que não queriam "mais nada de
mim" depois que fui colocado pela terceira vez num aparelho detector de mentiras. Aí os agentes
foram à casa da minha mulher e
avisaram a ela que eu não era mais
considerado suspeito.
Folha - Onde você está agora?
Darwich - Não sei o nome da prisão. É um lugar no meio do nada.
Faz frio à noite e o cobertor da prisão é todo rasgado. Para me aquecer, enfio os braços na camisa.
Folha - Você recebeu informações
sobre a data da sua extradição?
Darwich - Cheguei aqui [à Louisiana" na segunda passada e ninguém sabe informar nada. Nos últimos três meses, fui informado
três vezes de que seria extraditado
para o Brasil num prazo de duas
ou três semanas, mas continuo
aqui. Pedi para minha irmã falar
com o consulado brasileiro, mas
ela disse que ninguém sabe o que
está acontecendo. A imigração
também não responde nada.
Folha - Você diz que a prisão de
Nova Orleans era um inferno. Por
quê?
Darwich - Os muçulmanos não
comem porco e isso é respeitado
nas prisões. Lá, os funcionários
olhavam para uma carne que todo mundo sabia que era de porco
e diziam para a gente: "Comam
que não é porco. Se não quiser isso, não come nada". E os funcionários xingavam os presos.
Folha - Como você está ligando
para o Brasil de dentro da prisão?
Darwich - Telefonei para um
amigo aqui nos EUA e ele me colocou em contato com o país.
Folha - Você se lembra do Brasil?
Darwich - Da minha casa, em
São Paulo, da rua e da escola. Só
isso. Não tenho mais parentes no
Brasil, mas preciso muito de ajuda para sair daqui.
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