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HISTÓRIA
Cerimônia na ex-província indonésia marca o último passo da experiência inédita de construção de um novo país pela ONU
Nasce hoje Timor, país mais pobre da Ásia
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o secretário-geral das
Nações Unidas, Kofi Annan, entregar oficialmente a administração de Timor Leste às autoridades
do território, à meia-noite de hoje
(início da tarde no Brasil), terá
acabado de nascer a nação mais
pobre da Ásia e uma das mais pobres do mundo.
De acordo com relatório divulgado na semana passada pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o novo
país surge com PIB (Produto Interno Bruto) per capita de meros
US$ 478.
Metade da população vive com
menos de meio dólar por dia, o
que faz de Timor um país mais
pobre do que Bangladesh, Laos
ou Camboja.
As conclusões tiveram efeito devastador na pequena ilha. O presidente eleito, José Alexandre Xanana Gusmão, classificou-as de
"assustadoras".
Já o administrador das Nações
Unidas para a região, o brasileiro
Sérgio Vieira de Mello, procurou
se explicar: "Deixamos as fundações para o desenvolvimento. O
desenvolvimento sustentado será
criado pelo governo timorense."
Experiência inédita
A independência do minúsculo
território, pouco maior do que o
Estado de Sergipe, é o capítulo final da inédita experiência de governo em que se envolveu a comunidade internacional no segundo semestre de 1999.
Na época, a ex-província indonésia e ex-colônia portuguesa era
uma terra arrasada por milicianos
inconformados com a esmagadora vitória da opção independentista em um referendo, em agosto
de 1999.
A votação foi precedida de e sucedida por episódios de violência,
que deixaram mais de mil mortos.
A violência entre a maioria católica e a minoria muçulmana, pró-Indonésia, deixou cerca de 200
mil pessoas mortas desde 1975,
ano da invasão das tropas indonésias.
Tudo novo
Sem instituições estabelecidas,
sem economia formal ou informal, a nação acabou absorvida
pela ONU com o objetivo de ser
preparada para a independência.
Em dois anos e meio, a República Democrática de Timor Leste
ganhou Parlamento, partidos políticos, Constituição e presidente
eleito, o carismático Xanana Gusmão, líder histórico da resistência
à ocupação indonésia a partir de
1975, depois que a colonização
portuguesa chegou ao fim.
Escolas foram refeitas, um museu reinaugurado, a universidade,
reerguida.
Doações externas jorraram e,
apesar da morosidade no gasto do
dinheiro pela inchada burocracia
da ONU, financiaram estradas,
iluminação pública e sistemas de
comunicações.
Mas o país de 800 mil habitantes
agora se pergunta o que fazer
quando a fonte secar.
Com outras prioridades, espera-se que doadores como Japão,
Austrália, EUA e União Européia
voltem seus olhos para outros locais necessitados do globo.
Na semana passada, no entanto,
mais uma vez eles vieram ao socorro do território, prometendo
US$ 360 milhões de ajuda nos
próximos anos.
Raro sucesso
Se há consenso de que a ONU
fez um bom trabalho na reconstrução dos fundamentos da nova
nação -um de seus raros sucessos, depois de fracassos colhidos
nas crises envolvendo os Bálcãs e
Ruanda, por exemplo-, também
é voz corrente que teve atuação
insuficiente no fomento à economia local.
Durante o período de administração, a ONU limitou-se a recolocar a economia do território no
ponto exato em que estava em
1998 -mas não avançou.
O PIB do país para este ano está
estimado em US$ 391 milhões
-era de US$ 390 milhões há quatro anos.
Mais preocupante é o fato de a
economia estar estagnada e sem
sinais de recuperação no curto
prazo. Para os dois próximos
anos, o FMI (Fundo Monetário
Internacional) projeta crescimento de no máximo 0,5%.
Petróleo
A situação poderá ser aliviada
no médio prazo, com a entrada
nos cofres timorenses de recursos
provenientes da exploração de
gás e petróleo no estreito que separa a ilha da Austrália. Projeta-se
uma receita de US$ 100 milhões
por ano, a partir de 2005.
Até lá, Timor precisará continuar a sobreviver das doações internacionais e da incipiente economia local, baseada no cultivo
de café e frutas, na pesca e no turismo. Cerca de 40% da população está desempregada.
Com a saída efetiva da ONU
-apenas uma versão bastante reduzida da atual representação
permanecerá, funcionando como
agência de fomento-, a economia timorense deverá sofrer dramaticamente.
Hotéis, bares e lojas abertas especialmente para atender aos
8.000 funcionários da organização não devem resistir. Com a
queda na atividade econômica,
projeta-se já um déficit orçamentário de US$ 90 milhões para este
ano.
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