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análise
Fim do domínio britânico é lição a EUA no Iraque
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O governo Bush chegou a
fixar um prazo, 31 de julho,
para a assinatura de uma
"aliança estratégica" do Iraque com os EUA. Ex-ministro iraquiano pós-invasão,
Ali A. Allawi, considerado
um xiita moderado, chamou
atenção no "Independent",
de Londres, para o desfecho
da dominação inglesa.
O que hoje é Iraque resultou da junção, sob mandato
da Inglaterra, de partes do
império turco derrotado na
Primeira Guerra (1914-18).
Os ingleses procuraram
montar uma transição que
atendesse aos seus interesses em meio à erupção do petróleo no Oriente Médio.
De imediato "percebi que
era o homem que eu buscava", escreveu Lawrence da
Arábia em suas memórias. O
oficial inglês que estivera em
missão no Oriente Médio se
referia ao príncipe Feissal,
"aberto e maleável, eficiente
e ambicioso". Poderia enquadrar a revolta árabe, contra Londres, tornando desnecessária a repressão, sobretudo a ferro e fogo.
O próprio Lawrence criticou a brutalidade contra tribos rebeladas. Na época ministro das Colônias, Winston
Churchill aceitou os conselhos de Lawrence e instalou
no Iraque, em 1921, uma monarquia. O obediente Feissal
foi coroado com cobertura
das armas inglesas.
É mais ou menos o que
acontece no Iraque de hoje,
onde um governo, embora
saído de eleições, depende
das tropas americanas para
sobreviver. O livro "Saddam
Hussein, An American Obsession", de Andrew Cockburn e Patrick Cockburn, revela bastidores aos que desconhecem as relações do
Ocidente com o Iraque. Ou o
que resultaria dos bombardeios ingleses e das ações de
um Lawrence travestido de
árabe em seu empenho por
entronizar casas reais fiéis a
Londres. "Flutuamos num
mar de petróleo a caminho
do triunfo", celebrou o então
chanceler lorde Curzon.
Hoje Allawi fala de "paralelos perturbadores" entre o
tratado que encerrou "formalmente" o mandato inglês
e a "aliança estratégica" imaginada pelos EUA, sob forte e
surpreendente resistência
dos governantes iraquianos.
Do tratado se conhece as
conseqüências. A monarquia
foi derrubada por militares
nacionalistas sem nada da
alegria de lorde Curzon. O
nazismo chegou a colocar os
pés no Iraque, em meio a
motins, distúrbios, golpes. O
Iraque saiu do Pacto de Bagdá, montado pelo Ocidente
em parceria com a ex-colônia e disposição de manter a
Rússia fora do Oriente Médio. Mas a operação naufragou, os russos ganharam
uma brecha e acabaram armando os egípcios.
Em 1963 a CIA ajudou o
partido Baath a derrubar o
general Abd al Karin, que tirou o petróleo das mãos de
empresas americanas e européias. O Iraque se tornara
campo de batalha e não o
país dócil imaginado pelo
Ocidente com seus bombardeios e espertezas de Lawrence. No Baath, cuja pretensão era representar o nacionalismo árabe e que mesmo assim tomou o poder
com ajuda da CIA, já militava
um jovem ambicioso chamado Saddam Hussein.
O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em assuntos internacionais
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