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Toledo vê elo entre exclusão e etnia
PAULO PARANAGUÁ
DO "LE MONDE"
Dentro da dívida social, existe
uma correlação clara entre exclusão e identidade étnica. As populações andinas, indígenas, afro-peruanas e da Amazônia são as
mais marginalizadas, e, se o terrorismo surgiu entre elas, não foi
por acaso. Incluir os marginalizados não significa excluir os outros, mas favorecer uma melhor
distribuição das oportunidades.
A análise é do presidente do Peru, Alejandro Toledo, que é de
origem indígena. Ele defende sua
gestão, afirmando que não teve
"período de graça" ao assumir
um país vindo de três anos de recessão. Eis sua entrevista.
Pergunta - Ante o que está acontecendo na Bolívia, o sr. pensa que
também há uma dívida étnica?
Alejandro Toledo - Eu diria, antes, que, dentro da dívida social,
existe uma correlação clara entre
exclusão e identidade étnica. As
populações andinas, indígenas,
afro-peruanas e da Amazônia são
as mais marginalizadas, e, se o terrorismo surgiu entre elas, não foi
por acaso. Incluir os marginalizados não significa excluir os outros, mas favorecer uma melhor
distribuição das oportunidades.
Não é questão de revanche. É
preciso, também, respeitar nossa
diversidade cultural. Eu venho
desse meio -escapei da exclusão
por um erro estatístico- e não
esqueço minhas raízes. Minha
responsabilidade é de libertar
meu povo por meio do acesso a
uma educação e a uma saúde pública de qualidade. Adoto uma
política de "discriminação positiva", e não peço desculpas por isso.
Invisto mais nos que têm menos.
Pergunta - Os indicadores econômicos do Peru são superiores à média da região. Por que sua popularidade vem caindo?
Toledo - Sou agricultor. É preciso semear para poder colher, e o
fruto não nasce de um dia para
outro. Herdei instituições decadentes, um país que vinha de três
anos de recessão, em que as expectativas sociais eram altas, justificadas em vista da retomada democrática, antes sufocada pela ditadura. [O ex-presidente Alberto]
Fujimori tinha índice de aprovação de 74%, mas saiu pela porta
dos fundos, enviou seu pedido de
renúncia por fax e se refugiou no
Japão. Isso abala a confiança e a
auto-estima da população.
Os peruanos não acreditam em
mais nada. Eles dizem: ""Você nos
deu a democracia -agora nos dê
trabalho, já". Não tive período de
graça. Agora, após dois anos de
crescimento econômico, o desafio
consiste em fazer com que os benefícios se traduzam em empregos e receitas. Saúde e educação
são investimentos de médio e longo prazos. Não penso nas próximas eleições -não serei candidato-, mas nas próximas gerações.
Pergunta - O populismo é uma
tentação na América Latina?
Toledo - Sim, pois as pressões sociais são muito fortes. Enquanto
Wall Street exige disciplina fiscal,
controle da inflação ou privatizações, a população se faz ouvir por
meio das panelas. Se não houver
uma convergência entre Wall
Street e ""Main Street" -as aspirações da maioria da população-, teremos um problema sério de governança na América Latina. É preciso não cair na tentação do populismo, mas também é
preciso evitar ser um dogmático
de Wall Street, incapaz de ouvir a
voz das ruas.
Precisamos investir no social.
Os países industrializados devem
participar desse investimento,
conforme propusemos na cúpula
do Grupo do Rio, em Cuzco. Sugerimos ao G-8 e aos organismos
internacionais uma nova arquitetura financeira, para liberar recursos para a educação, a saúde ou a
infra-estrutura. Já apertamos o
cinto e colocamos ordem na economia. A América Latina não vai
esperar mais 15 anos para que o
crescimento traga mais emprego,
a conta-gotas. A governança democrática tem um preço.
Num mundo interdependente,
os países industrializados podem
contribuir para ela, construindo
uma rodovia comercial de mão
dupla, mais simétrica, na qual não
venham nos pedir que não apliquemos em nós mesmos.
Tradução de Clara Allain
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