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Saddam deixou vazio estatístico
DA REPORTAGEM LOCAL
Impossível saber exatamente se
os sunitas representam 20% ou
35% da população iraquiana. O
PIB do país é hoje uma grande incógnita. Não se tem uma idéia
precisa sobre as taxas de inflação.
Saddam Hussein deixou o Iraque com um enorme vazio estatístico. Foi algo deliberado. O ex-ditador desmontou, a partir de
1987, o órgão estatal equivalente
ao IBGE. Seu argumento: as informações poderiam cair nas mãos
do inimigo -na época, o Irã.
Mas há também um motivo inconfessável. A partir do embargo
comercial, em vigor desde agosto
de 1990, com a resolução 661 do
Conselho de Segurança, parte da
economia interna funcionou com
base no contrabando.
Quantificar esse comércio seria
passar recibo em nome do crime
organizado, que só funcionou por
seus vínculos com o clã tribal e
com a família de Saddam.
As incertezas começam pela demografia. O anuário da CIA (serviço norte-americano de inteligência) calcula a população em 24
milhões. A ONU forneceu neste
mês estimativa menor, de 23,2
milhões, mais 1,1 milhão vivendo
no exterior. O Censo de 1997 não
foi realizado. As projeções têm
base metodológica frágil.
Quanto à economia, há pouco
mais de sete anos Adnan al Kudsi,
presidente da Federação das Indústrias do Iraque, dizia à Folha
que 85% das fábricas do país estavam fechadas por falta de matéria-prima. Com consequências
inevitáveis, explosão da miséria,
do desemprego e do empobrecimento da classe média. Mas não
há porcentagens disponíveis.
Há algumas pistas. Nos sete primeiros anos do embargo, os salários foram multiplicados por 200,
mas os preços o foram por 8.000.
Em 1968, só 53 famílias tinham
patrimônio avaliado em mais de
US$ 3 milhões. Elas já eram 3.000
em 1989, segundo Faleh Jabbar,
da Universidade de Londres.
Ocorreu um crescimento vertiginoso da iniciativa privada, a partir
de programas de obras públicas
financiados pelo petróleo, cujo
preço deu um grande salto em
1974. Mas esse topo milionário da
pirâmide desabou. E arrastou as
demais camadas de renda.
Quanto ao câmbio, em 1982 um
dinar iraquiano comprava US$
3,10. Na semana passada, comprava-se US$ 1,00 com 3.500 dinares. Certos produtos de luxo só estavam disponíveis em dólar. A elite próxima a Saddam perdia os
pudores do exibicionismo. Alguns rodavam em Mercedes do
ano, mesmo com a proibição da
importação de automóveis.
O PIB (total de riquezas produzidas) seria hoje de US$ 59 bilhões, segundo a CIA, ou de US$
28 bilhões, segundo a revista "The
Economist". E a renda per capita
teria caído em duas décadas de
US$ 4.200,00 para algo em torno
de US$ 300,00.
A subnutrição tornou a população mais vulnerável a moléstias. A
expectativa de vida, que já esteve
acima dos 70 anos, é hoje de 66
anos para homens e 68 para mulheres, segundo os EUA. A mortalidade infantil, de 57,6 por mil
nascidos vivos, é praticamente o
dobro da registrada no Brasil.
O programa Petróleo por Comida, gerido pela ONU, permitia a
cada iraquiano uma ração diária
de mil calorias importadas, a metade que a dieta ideal. Muitos comiam bem mais que isso pela reativação da produção agrícola em
terras férteis (11% do solo iraquiano), mas também porque entrou
muito trigo e enlatados de contrabando pela fronteira da Turquia.
Um comerciante de classe média ganha US$ 100 mensais. Mas 1
kg de café custa US$ 46.
Durante os quase 13 anos de
embargo, o comércio só poderia
ser feito oficialmente pela fronteira com a Jordânia. Um visto de
saída para um iraquiano custava
US$ 100. Ruechid, última cidadezinha jordaniana na estrada para
o Iraque, abastecia com medicamentos, refrigerantes, pneus e
roupas de grife a elite do regime
deposto.(JOÃO BATISTA NATALI)
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