|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ORIENTE MÉDIO
Jovens ocidentalizados afirmam ter os mesmos problemas dos israelenses, como o terror, mas não os mesmos direitos
Elite palestina reclama de "exclusão"
GUSTAVO CHACRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE JERUSALÉM
A morte do árabe-israelense
George Khoury em um atentado
terrorista quando ele praticava
jogging em Jerusalém, em março,
afetou um grupo que pouco aparece no conflito israelo-palestino.
São os jovens palestinos e árabes-israelenses de uma elite, em geral
moderada e que não comparte
dos hábitos da sociedade islâmica, mas convive em paz com ela. E
discordam de grande parte da elite israelense, na qual, muitas vezes, se sentem excluídos.
Eles são ocidentalizados, estudaram com filhos de diplomatas e
de executivos estrangeiros em escolas internacionais da cidade,
usam roupas caras, bebem, dançam e falam pelo menos inglês,
árabe e hebraico com fluência.
Muitos estudam em universidades estrangeiras e somente visitam o país no verão e no Natal.
Quase todos esses jovens moram na parte oriental de Jerusalém, onde a população é majoritariamente muçulmana e conservadora para os padrões ocidentais.
"Quando vou à casa de uma amiga muçulmana, não visto roupa
decotada", diz Jihan Abdallah, 18,
que escreve em uma revista de integração entre israelenses (judeus
e árabes) e palestinos.
Barreira psicológica
À noite, não há praticamente
nada para fazer na parte oriental
de Jerusalém. Não há boates, bares ou cinemas. Para assistir a um
filme, é preciso ir para o lado ocidental -e judaico-, o que muitas vezes é uma barreira psicológica quase intransponível.
Os pais desses jovens não gostam que os filhos atravessem para
Jerusalém Ocidental, porque, assim como os pais israelenses, temem os ataques terroristas.
Os alvos do terror palestino são
as áreas mais movimentadas da
cidade, como as ruas Jaffa e Ben
Yehuda e a região de Nahalat Shiva, onde se reúne a juventude de
Jerusalém sobretudo no sábado à
noite, após o fim do shabat -dia
judaico de descanso e orações.
Era por isso que o advogado
Elias Khoury ficava tenso quando
um de seus filhos queria passear
em algum bar no lado ocidental.
Seu pai morrera em um atentado
do Fatah (grupo político do líder
palestino Iasser Arafat) nos anos
70 na praça Zion, no lado ocidental. E o mesmo aconteceu com seu
filho George neste ano, mais uma
vez pelas mãos do Fatah.
Além disso, os jovens não gostam da maneira como são tratados pelos soldados e pela polícia
israelense. "Não me sinto bem indo lá", diz David Khoury, irmão
de George e estudante da Universidade Saint Andrews, na Escócia.
"Dá uma sensação ruim, pedem a
carteira de identidade o tempo todo." Os jovens dizem que, quando os soldados percebem que eles
são árabes, começam a tratá-los
mal e a fazer perguntas.
Os militares israelenses agem
dessa maneira porque vários terroristas suicidas são jovens que se
disfarçam para passar por judeus,
inclusive ortodoxos. Mas os jovens árabes e palestinos dizem
que a generalização dessa suspeita
é uma forma de punição coletiva.
David lembra que duas pessoas
em sua família foram vítimas dos
terroristas, a quem ele classifica
como estúpidos e prejudiciais
também à vida dos palestinos.
Obstáculos
Jihan Abdallah diz que só vai ao
lado israelense em casos extremos
e que prefere ficar no lado palestino ou então ir passear em Ramallah, na Cisjordânia, cidade que é
controlada pelos palestinos.
A Folha acompanhou uma viagem da estudante até Ramallah e
observou todos os obstáculos. Os
soldados, jovens, são simpáticos
quando pegam o passaporte brasileiro no posto de controle de
Qalandia, que separa Jerusalém
de Ramallah. Fazem piadas sobre
futebol e rapidamente liberam a
passagem, sem muitas perguntas.
Quando chega a vez dos palestinos, a situação muda. Jihan, mesmo vestindo jeans, tênis e camiseta, vestimenta muito similar à de
qualquer israelense de Tel Aviv, é
parada para interrogatório. Ela
possui uma carteira de identidade
israelense que a descreve como
palestina de 1967 -ela pode circular livremente por Israel, mas
não goza de direitos civis como
voto, diferentemente dos árabes-israelenses de 1948. Após responder a uma série de perguntas, sua
passagem e a de seu irmão George, 20, que estuda em Indiana
(EUA), são autorizadas.
Na cidade palestina, eles se encontram com dois amigos, pertencentes a um dos sete clãs cristãos tradicionais de Ramallah.
Shaden Khalaf, 18, e Bassam Khalaf, 20, podem ir ao cinema e a festas sem cruzar com soldados israelenses. Uma vida invejável, de
acordo com Jihan e o irmão. Mas
eles não podem aproveitar muito.
Às 21h, o posto de controle de Qalandia é fechado, tornando-se impossível retornar a Jerusalém.
A porcentagem dos jovens palestinos que têm esses hábitos ocidentais é pequena, não chega a
5%, segundo o professor Munther
Dajani, da universidade palestina
Al Quds. Seria algo como a elite da
classe média alta paulistana.
Eles são os poucos que têm a
oportunidade de estudar fora. "E
os que estão aqui têm cada vez
mais dificuldades para chegar à
universidade", diz Dajani.
Ele teme que o número de palestinos com educação superior se
reduza. Para agravar, os palestinos jovens que estudam no exterior, possivelmente a futura elite
intelectual, "podem não querer
voltar a morar aqui, para não precisarem conviver com o muro e os
checkpoints", diz o professor. Dajani obriga o seu filho, que faz faculdade em Ohio, a vir para Jerusalém todos os verões. "Assim ele
não perde a ligação com a terra."
Texto Anterior: Outro lado: Governo nega intervenção em escolha de juiz Próximo Texto: Frases Índice
|