|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
IRAQUE OCUPADO
Reação moderada de general a pedido de renúncia de Rumsfeld é sinal de moral baixo e indisciplina
Pós-guerra estressa tropas americanas
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Os americanos cometeram o erro de acreditar na sua própria
propaganda. O resultado é a atual
crise no moral e na disciplina das
suas tropas de ocupação no Iraque, dramaticamente demonstrada por soldados que criticaram o
secretário da Defesa, Donald
Rumsfeld, em um programa de
televisão na quarta-feira passada.
Um deles chegou a pedir a renúncia do secretário.
O episódio é considerado uma
quebra de disciplina intolerável
em qualquer força armada, em
qualquer país -ou mesmo em
qualquer época.
As corporações militares estão
entre as mais ciosas de disciplina.
O argumento é que, em uma atividade em que se joga com vidas,
uma ordem tem de ser obedecida
rapidamente, pois a contestação
criaria um ambiente de inação,
aproveitado pelo inimigo.
Os militares de todos os países
têm regulamentos para punir esse
tipo de conduta; criticar um superior publicamente dá no mínimo
alguns dias de cadeia.
Mas a crise pela qual passam as
tropas americanas teve um sinal
revelador na própria reação moderada do comandante americano, general John Abizaid.
Ele declarou que os soldados
que criticaram o secretário poderiam sofrer "reprimendas verbais
ou algo mais severo".
A moderação pode fazer sentido no ambiente em que estão as
tropas. A euforia da vitória, que
deveria ser seguida pela volta para
casa e quem sabe um desfile triunfal, foi substituída por mais semanas ou meses de arriscada ocupação de um país com língua e hábitos estranhos, no qual um inimigo
pode aparecer de repente.
Agora sim é a hora de voltar a
fazer comparações com a experiência no Vietnã. Ocupar é bem
mais difícil que combater.
"O mais grave obstáculo no
Vietnã uma geração atrás foi que
quase todos os americanos que
serviram ali detestavam o lugar e
desprezavam a população. Quando soldados falavam pejorativamente de "gooks" ou "dinks", eles
não se referiam apenas ao inimigo", escreveu o historiador militar
britânico Max Hastings no jornal
"The Daily Telegraph", comparando com a ocupação do Iraque.
Para Hastings, o erro fatal é entender que a missão é principalmente militar. "As canhoneiras
são a parte mais fácil e menos importante da projeção ultramarina
de poder. O trabalho é principalmente sobre bons engenheiros de
saneamento", conclui Hastings.
Que haveria problemas na fase
de ocupação era algo previsto por
muitos analistas militares.
A propaganda dos EUA dizia
que suas tropas seriam acolhidas
como "libertadores". De fato, derrubaram a ditadura de Saddam.
Já a reconstrução é uma tarefa
muito mais difícil, exigindo uma
ocupação por meses ou anos.
Tudo isso também foi previsto,
mas o otimismo com a rápida tomada de Bagdá passou ao soldado
comum a idéia de que logo voltaria para casa.
Bastou um número aparentemente coordenado de ataques para mostrar que ocupar um país
depois de uma guerra continua
sendo uma operação arriscada.
Pés no chão
A ênfase da atual administração
do Departamento da Defesa americano em forças especiais e bombas inteligentes voltadas para
uma estratégia de "choque e pavor" colocou de lado uma velha
verdade histórica. Ocupar um território inimigo tem de ser feito
principalmente pela infantaria, o
soldado no chão. O grosso precisa
ser feito por tropas americanas.
Só que o Exército dos EUA tem
diminuído seu tamanho cada vez
mais desde o fim da Guerra Fria.
Das 33 brigadas de combate ativas, 21 estão fora de suas bases
-16 no Iraque, duas no Afeganistão, duas na Coréia do Sul e uma
nos Bálcãs.
Precedente
O Iraque já foi ocupado no passado por uma potência ocidental
que está lá de volta, o Reino Unido. Os americanos também já tiveram de ocupar regiões do mundo subdesenvolvido antes, em
meio a grupos hostis. Os problemas da atual ocupação não são,
portanto, novidade.
Na opinião de um dos mais respeitados historiadores militares, o
britânico John Keegan, o governo
do seu país "deveria ter levado a
história mais em consideração".
O mesmo vale para os EUA, disse
ele em um artigo recente.
"Os americanos estiveram envolvidos em operações de pacificação no ex-império espanhol,
tanto nas Filipinas como no Caribe, por anos depois da sua vitória
de 1898. Para o Exército britânico,
pacificação nas colônias era um
modo de vida, na Índia, na África
e no ex-Império Otomano, ano
após ano", disse.
Ao contrário do que poderia parecer, ele considera que o número
de baixas entre os anglo-americanos é menor do que poderia ser.
Depois que ocuparam o Iraque
após a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), os britânicos enfrentaram uma revolta em 1920 na
qual tiveram mais de 2.000 mortos e feridos.
Texto Anterior: Iraque ocupado: Cresce nos EUA questionamento sobre guerra Próximo Texto: Imagem dos EUA afeta marcas americanas Índice
|