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QUESTÃO AGRÁRIA
Movimento boliviano homônimo do brasileiro ocupa terras e pressiona o governo; MST é "referência" na região
MST inspira sem-terra na América Latina
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Em uma nova onda de invasões,
cinco propriedades rurais foram
tomadas pelo MST (Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra),
entre elas uma fazenda pertencente a um familiar do presidente
da República. Tudo isso não
aconteceu no Brasil, mas na vizinha Bolívia, onde uma organização homônima à brasileira vem
atuando desde 1999.
O MST boliviano, inspirado no
brasileiro, segundo seus próprios
fundadores, é mais um exemplo
da influência sobre os demais
grupos camponeses da América
Latina vinda do MST brasileiro,
considerado por todos como
"uma referência".
O MST brasileiro é a "estrela"
dos principais órgãos internacionais que congregam organizações
camponesas, como a Via Campesina (ONG internacional que realiza uma campanha global pela reforma agrária) e a Cloc (Coordenação Latino-Americana de Organizações Camponesas). O movimento brasileiro é co-organizador, com a Cloc, de uma escola
para militantes latino-americanos
que organiza cursos anuais desde
1998 (leia texto na página A20).
"Conhecíamos o MST brasileiro
por meio de informações jornalísticas. Isso nos inspirou a organizar o nosso movimento aqui",
afirma o fundador e presidente do
grupo boliviano, Ángel Durán.
Segundo Durán, os primeiros
contatos diretos entre os dois grupos, "para trocar experiências",
ocorreu cerca de um ano após o
nascimento do movimento boliviano, quando um grupo de dirigentes do MST brasileiro foi até a
Bolívia para conhecê-los.
Desde então, a proximidade
cresceu. "Ficamos felizes por termos inspirado eles na Bolívia,
mas são dois movimentos diferentes, com características próprias", afirma Itelvina Masioli,
coordenadora nacional do MST
que esteve na Bolívia por duas vezes, a última delas em junho.
"Claro que existe uma influência, porque o MST, como parte de
organizações internacionais como a Via Campesina, tem sido
uma referência internacional",
diz Masioli. "Mas são influências
indiretas, mesmo porque o MST
nem tem condições de colaborar
financeiramente, por exemplo."
O vice-ministro de Terras da
Bolívia, Henry Oporto, também
vê uma influência do MST brasileiro sobre seu homônimo boliviano. "Não há dúvida de que
houve uma inspiração do MST
brasileiro. Não é uma coincidência que eles aqui tenham adotado
o mesmo nome", afirma.
Ele considera, porém, que os
dois movimentos têm características distintas. "Ao contrário do
MST brasileiro, o boliviano é
composto basicamente por pessoas que abandonaram o campo
há muito tempo ou que são filhos
de camponeses e que pedem terras porque têm dificuldades de
conseguir empregos nas cidades."
O MST boliviano tem também
uma organização bem diferente
da do brasileiro, cuja estrutura é
horizontalizada, com a direção
pulverizada entre coordenadores
nacionais. "Eles têm uma organização mais ao estilo das organizações sindicais, com uma estrutura
mais vertical e um presidente no
comando", diz Itelvina Masioli.
A estrutura do MST boliviano
acabou por gerar uma cisão, com
uma dissidência que acusa a facção liderada por Ángel Durán de
ser subserviente ao governo. A
onda de invasões deste mês é vista
como uma tentativa de Durán de
mudar sua imagem.
No sábado retrasado, o governo
anunciou a assinatura de um pré-acordo, no qual o MST admitia
deixar pacificamente as propriedades ocupadas, entre elas a fazenda Collana, próxima a La Paz,
pertencente a uma cunhada da
primeira-dama do país, Ximena
Sánchez de Lozada.
Mas o MST acusa o governo de
não cumprir o acordo e ameaça
com novas invasões, entre elas a
de uma fazenda do próprio presidente da República, Gonzalo Sánchez de Lozada, no Departamento (Estado) de Santa Cruz (leste).
Anteontem, o movimento denunciou o desaparecimento de
dois lavradores durante uma operação policial para reintegração
de posse em uma fazenda ocupada, em San Cayetano (leste).
Durán diz ter identificado outros 30 latifúndios supostamente
improdutivos passíveis de serem
ocupados se o governo não atender as reivindicações do movimento. Neste ano, até agora, já foram 18 invasões.
Ángel Durán diz representar
cerca de 250 mil camponeses "que
não têm nem um palmo de terra",
entre uma população de 8,5 milhões de pessoas. O Inra (Instituto
Nacional de Reforma Agrária) diz
ter solicitações formais de terras
de apenas 10 mil famílias.
"Não temos estatísticas confiáveis sobre a demanda real de terras", diz o vice-ministro Henry
Oporto. "Pode ser até mais do que
o MST diz, mas eles não mostram
nenhum estudo técnico que sustente sua informação", diz.
Apesar de a Bolívia ter passado,
em 1953, por uma ampla reforma
agrária, considerada até hoje a
maior já feita em toda a América
do Sul, a concentração de terras
ainda é considerada alta.
Segundo dados da Fian, uma
organização internacional pelo
direito à alimentação que é parceira da Via Campesina na campanha global pela reforma agrária, 80% das famílias proprietárias
de terra possuem 2,6% do solo
cultivável do país, enquanto os
grandes proprietários, que representam 1,8% da população, detêm
85,3% da terra cultivável.
O Inra também contesta esses
dados, afirmando que há uma
distorção pelo fato de as grandes
propriedades do leste do país, dedicadas a culturas extensivas, não
poderem ser comparadas com as
pequenas propriedades familiares do oeste, onde predomina a
agricultura de subsistência.
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