São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Cena política do Paquistão remete analista à América Latina dos anos 80

CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

O Paquistão trilha um caminho democrático incerto, após sucessivos regimes militares, ainda cingido por atritos entre o governo civil e os quartéis. Há grupos insurgentes ativos e os ianques são mal vistos, mas a democracia entusiasma a população. O país vive hoje o que a América Latina passou na década de 80, resume Samina Ahmed, diretora regional do "International Crisis Group".
"Para entender o Paquistão, basta olhar para a América Latina", disse a cientista política em entrevista à Folha. Os militares relutam em ceder o poder. Mas seria realista esperar que o país concluísse, em três meses de governo civil, uma transição democrática que levou uma década na América Latina?, questiona. "Quanto mais durar o governo civil legítimo, mais ele se fortalecerá."
Minado pela oposição popular, pela insurgência e pela desaceleração econômica, o regime militar agonizou no final de 2007, mas conseguiu manter controle sobre a abertura, retendo posições decisivas.
Antes de assumir a Presidência como civil, Pervez Musharraf, que por oito anos comandou o governo militar, promoveu a postos-chave os seus principais aliados nas Forças Armadas. Nadeem Taj, secretário militar de Musharraf no golpe de 1999, assumiu a chefia da principal agência de inteligência do país (ISI) e o comando do militar foi passado a Ashfaq Kayani, um ex-dirigente do ISI leal a Musharraf.
Um dos mais poderosos serviços secretos do planeta, o ISI é uma força política com doutrina própria, nem sempre coerente com a do governo. A agência é acusada pela Índia de ter planejado atentado contra sua embaixada em Cabul, que matou 41 pessoas no dia 7.
Para Ahmed, o incidente não afeta a reaproximação entre Índia e Paquistão, rivais nucleares que travaram três guerras desde a separação, em 1947. A Índia acusou "setores militares paquistaneses", não o governo civil, diz a analista, ressaltando a cisão entre os quartéis e o gabinete.
O governo civil é visto pelos vizinhos como um fator de estabilidade regional, afirma Ahmed, que minimiza incidentes diplomáticos na porosa fronteira afegã. No mais grave deles, o Paquistão condenou duramente os EUA por um ataque que matou 11 soldados. "Nenhum Estado admite um ataque com mortos dentro de seu território", diz a analista, otimista sobre a relação futura com Washington, a despeito de rusgas ocasionais.
Há, contudo, uma mudança na posição americana, diz ela, citando a afirmação do pré-candidato democrata, Barack Obama, de que só com democracia será possível derrotar o terrorismo no Paquistão e sua promessa de triplicar a ajuda ao país.
Os paquistaneses são céticos. Pesquisa do Instituto Pew revela que apenas 10% dos que acompanham a política americana confiam em Obama -a confiança no rival John McCain é de 6%. Foi o pior resultado entre 14 nações.
"Os EUA apoiaram ditaduras no país, primeiro [o regime de Zia ul Haq] contra os soviéticos e depois contra o terrorismo. É claro que existe hoje um forte sentimento antiamericano", diz. Ela nega que aspectos religiosos sejam determinantes para essa animosidade. Questionada sobre a popularidade dos extremistas na região fronteiriça, Ahmed é enfática: "Que apoio é esse? Eles receberam entre 2% e 3% dos votos nas últimas eleições, foram derrotados até no vale do Swat [região volátil que abriga terroristas]."


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