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Cena política do Paquistão remete analista à América Latina dos anos 80
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
O Paquistão trilha um caminho democrático incerto, após
sucessivos regimes militares,
ainda cingido por atritos entre
o governo civil e os quartéis. Há
grupos insurgentes ativos e os
ianques são mal vistos, mas a
democracia entusiasma a população. O país vive hoje o que a
América Latina passou na década de 80, resume Samina Ahmed, diretora regional do "International Crisis Group".
"Para entender o Paquistão,
basta olhar para a América Latina", disse a cientista política
em entrevista à Folha. Os militares relutam em ceder o poder. Mas seria realista esperar
que o país concluísse, em três
meses de governo civil, uma
transição democrática que levou uma década na América
Latina?, questiona. "Quanto
mais durar o governo civil legítimo, mais ele se fortalecerá."
Minado pela oposição popular, pela insurgência e pela desaceleração econômica, o regime militar agonizou no final de
2007, mas conseguiu manter
controle sobre a abertura, retendo posições decisivas.
Antes de assumir a Presidência como civil, Pervez Musharraf, que por oito anos comandou o governo militar, promoveu a postos-chave os seus
principais aliados nas Forças
Armadas. Nadeem Taj, secretário militar de Musharraf no
golpe de 1999, assumiu a chefia
da principal agência de inteligência do país (ISI) e o comando do militar foi passado a Ashfaq Kayani, um ex-dirigente do
ISI leal a Musharraf.
Um dos mais poderosos serviços secretos do planeta, o ISI
é uma força política com doutrina própria, nem sempre coerente com a do governo. A
agência é acusada pela Índia de
ter planejado atentado contra
sua embaixada em Cabul, que
matou 41 pessoas no dia 7.
Para Ahmed, o incidente não
afeta a reaproximação entre
Índia e Paquistão, rivais nucleares que travaram três guerras desde a separação, em 1947.
A Índia acusou "setores militares paquistaneses", não o governo civil, diz a analista, ressaltando a cisão entre os quartéis e o gabinete.
O governo civil é visto pelos
vizinhos como um fator de estabilidade regional, afirma Ahmed, que minimiza incidentes
diplomáticos na porosa fronteira afegã. No mais grave deles, o Paquistão condenou duramente os EUA por um ataque que matou 11 soldados.
"Nenhum Estado admite um
ataque com mortos dentro de
seu território", diz a analista,
otimista sobre a relação futura
com Washington, a despeito de
rusgas ocasionais.
Há, contudo, uma mudança
na posição americana, diz ela,
citando a afirmação do pré-candidato democrata, Barack
Obama, de que só com democracia será possível derrotar o
terrorismo no Paquistão e sua
promessa de triplicar a ajuda
ao país.
Os paquistaneses são céticos.
Pesquisa do Instituto Pew revela que apenas 10% dos que
acompanham a política americana confiam em Obama -a
confiança no rival John
McCain é de 6%. Foi o pior resultado entre 14 nações.
"Os EUA apoiaram ditaduras
no país, primeiro [o regime de
Zia ul Haq] contra os soviéticos
e depois contra o terrorismo. É
claro que existe hoje um forte
sentimento antiamericano",
diz. Ela nega que aspectos religiosos sejam determinantes
para essa animosidade. Questionada sobre a popularidade
dos extremistas na região fronteiriça, Ahmed é enfática: "Que
apoio é esse? Eles receberam
entre 2% e 3% dos votos nas últimas eleições, foram derrotados até no vale do Swat [região
volátil que abriga terroristas]."
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