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Relegado a segundo plano, Afeganistão atola no caos
Violência cresce e Taleban recrudesce em colcha de retalhos étnica que mina estrutura estatal
Cenário convulso já envolve vizinhos Paquistão e Índia, todos aliados dos EUA em região crucial para a "guerra contra o terror" de Bush
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Em março deste ano o jornal
canadense "Globe and Mail"
entrevistou 42 combatentes do
Taleban, grupo radical islâmico
no poder no Afeganistão entre
1996 e 2001 e hoje reconvertido
à guerrilha. Indagados sobre a
motivação para combater, 12
responderam que queriam vingar a morte de familiares em
bombardeios da Otan, a aliança
militar ocidental. E 21 disseram
que era para recuperar suas
plantações de papoula, destruídas pelas operações americanas antidrogas.
A ONU calcula que em 2007
cerca de 1.500 civis foram mortos em bombardeios, 50% a
mais que no ano anterior.
Quanto às papoulas, matéria-prima da heroína, a área plantada em 2007 foi superior em
57% à de 2006. Ela representa
US$ 3,1 bilhões para a economia afegã, ou praticamente a
metade do PIB (total da riqueza
produzida no país).
Os Estados Unidos estão perdidos num intricado labirinto
desde que, após o 11 de Setembro, comandaram a operação
militar para desalojar o Taleban e enfraquecer a Al Qaeda.
Bombardeando áreas controladas pelo Taleban e destruindo campos de papoulas,
indiretamente estimulam o recrutamento de terroristas.
Nos últimos dois meses,
morrem no Afeganistão mais
militares americanos que no
Iraque. O Taleban sai lucrando
por causa dos acordos que o governo paquistanês fechou com
lideranças tribais na fronteira
com o Afeganistão.
A fronteira, em verdade, é
uma linha geográfica inventada
pelos ocidentais. O Afeganistão
foi criado pelo governo britânico, do qual se tornou independente em 1919. Ao sul ficava a
porção islâmica e ocidental da
Índia, que se separou em 1947 e
se tornou o Paquistão. Mas dos
dois lados da fronteira o que
existe é a etnia pashtun.
A União Soviética invadiu o
Afeganistão (1979-1989) e tentou construir um Estado laico.
Foi derrotada. As estruturas
tribais, arcaicas e misóginas,
sentiam-se tão agredidas quanto se sentem agora com a presença de militares ocidentais.
No mês passado o "Financial
Times" publicou curto ensaio
de Anatol Lieven, especialista
em guerras no King's College
de Londres. Ele acredita que o
sonho da construção da democracia no Afeganistão está morto, e que a melhor coisa que poderia acontecer aos ocidentais
seria finalmente capturar Osama bin Laden, gritar "vitória!" e
deixar rapidamente o país.
O presidente Hamid Karzai,
pró-americano eleito em 2004,
pediu recentemente US$ 50 bilhões para nos próximos anos
construir um país de verdade.
O Afeganistão, que antes do 11
de Setembro recebia US$ 100
milhões ao ano de ajuda externa, recebe hoje US$ 2,5 bilhões.
Já construiu 4.000 km de estradas e multiplicou por seis o
número de crianças em escolas.
Mas burocracia e a corrupção
são endêmicas. A Integrity
Watch Afghanistan diz que, para cada US$ 100 entregues, só
US$ 45 chegam às pessoas.
Quanto à questão militar, o
quadro é simples. O Taleban
controla áreas inteiras do país,
e o governo está na defensiva.
Os Estados Unidos e a França
enviaram reforços. O Canadá já
anunciou que retirará seus homens em 2011.
Vizinhança
Quanto ao vizinho Paquistão
as coisas estão também complicadas. O governo americano investiu US$ 10 bilhões a partir
de 2001 para que o ditador Pervez Musharraf combatesse o
terrorismo. Mas interessava à
administração Bush redemocratizar o país.
A peça-chave era a ex-premiê
Benazir Bhutto. Mas ela foi assassinada em dezembro. Seu
partido ganhou em fevereiro as
eleições. O premiê, Yousaf Raza
Gilani, isolou Musharraf na
chefia do Estado e negociou
uma trégua com Baitullah
Mehsud, líder dos clãs do Waziristão do Sul.
Com a trégua, os atentados
no vizinho Afeganistão aumentaram em 40%. O Taleban era o
grande beneficiado. Dana Perino, porta-voz da Casa Branca,
afirmou na época que acordos
assim beneficiam terroristas.
A menor agressividade nas
fronteiras é também defendida
pelo novo chefe do Exército paquistanês, general Ashfaq Parvez Kayani. Ele e o premiê Gilani querem uma política amistosa com os extremistas para não
engrossarem o caldo do radicalismo islâmico latente nas regiões urbanas paquistanesas.
Há o exemplo de 2007, com o
massacre da Mesquita Vermelha, em Islamabad, em que podem ter morrido até 2.000.
Essa política prejudica o Afeganistão e enfurece os Estados
Unidos. Mas, no fundo, interessa ao Paquistão ter um regime
afegão fraco e com confusões
espasmódicas. Com isso, pode
concentrar sua atenção militar
na fronteira com a Índia, inimiga histórica com a qual já disputou três guerras, em resposta à
qual também construiu a bomba atômica e com a qual disputa
o território da Caxemira.
É com base nesse mesmo jogo triangular de interesses que
a Índia se empenha na tarefa de
fortalecer Karzai, o presidente
afegão, e tornar seu regime viável. O governo de Nova Déli,
notou recentemente o "New
York Times", recusou-se a enviar militares ao Iraque ou a
pressionar pela democracia em
Mianmar. Interessa-se apenas
pelo Afeganistão, como forma
de atrapalhar os paquistaneses.
Os indianos abriram cinco
consulados na região da fronteira. São considerados intrusos pelo Taleban, tanto que recente atentado matou 41 pessoas na embaixada da Índia em
Cabul, a capital afegã.
Na prática, a Índia já investiu
no Afeganistão US$ 750 milhões. Constrói estradas, treina
professores e funcionários.
Os Estados Unidos são aliados dos três países -Índia, Paquistão e Afeganistão. Têm
com George W. Bush como
prioridade o combate ao terrorismo. Mas estão inseguros em
solo afegão com o fortalecimento do Taleban (e seus aliados da Al Qaeda) e carrancudos
com a pouca energia que o Paquistão reserva para combater
os radicais.
Com agências internacionais
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