São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002 |
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AMÉRICA LATINA Crise política paralisa economia de país que já teve um dos melhores índices de qualidade de vida da região Chávez desdenha greve geral na Venezuela
MARCIO AITH ENVIADO ESPECIAL A CARACAS O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, desdenhou ontem a greve geral convocada por seus opositores para amanhã e disse que não teme que ela desemboque em um golpe de Estado como o de abril passado. Em Oslo (Noruega), Chávez também disse que não há perigo de uma guerra civil em seu país. Apesar disso, a procuradora-geral da Venezuela, Marisol Plaza Irigoyen, declarou que o Executivo poderá decretar estado de emergência caso a greve "se estenda de forma perigosa para a estabilidade do país". Seja qual for o desdobramento da greve, a crise política que paralisa a Venezuela deteriora fortemente a economia do país e a qualidade de vida de uma população que há três décadas era uma das mais prósperas e menos desiguais da América Latina. Desde janeiro, a economia venezuelana despencou 7%, o desemprego subiu de 15% para algo em torno de 20%, a inflação anualizada atingiu 28% e a desvalorização da moeda, quase 100%. A crise interfere nos aspectos mais rotineiros e nas necessidades básicas dos venezuelanos. O consumo de alimentos caiu 10% no último ano; o de papel higiênico, 43%. A ocupação nos hotéis está abaixo de 20% e mais de 1.500 pequenas fábricas fecharam. Por falta de passageiros, companhias aéreas cancelaram os vôos diretos Caracas-Nova York, cutucando o imaginário de uma classe média que se guia pelo modo de vida americano. Para analistas independentes, a deterioração é fruto do estrago causado pelo golpe de Estado de abril passado, pelas sucessivas greves convocadas para derrubar o governo e pelos ataques do presidente Hugo Chávez à classe empresarial. Juntos, esses fatores teriam motivado a fuga de cerca de US$ 10 bilhões do país nos últimos dez meses. "A crise atual é uma das piores da história recente venezuelana", disse à Folha Janet Kelly, americana que vive em Caracas há 20 anos e leciona no Instituto de Estudos Superiores de Administração. "Os problemas políticos caem como uma bomba numa economia que começou a decair em 1978 com o aumento da população e a estagnação das receitas do petróleo", afirmou. A Venezuela sempre se destacou como uma das nações menos desiguais e mais prósperas da região. Segundo o índice de Gini, que mede níveis de concentração de renda das nações, a sociedade venezuelana é mais justa que a brasileira. Depois do golpe de abril, o presidente Chávez retomou o cargo prometendo unir o país e criar um canal de comunicação permanente com a oposição. Chávez instalou câmaras de diálogo, adotou um discurso menos agressivo e trocou seu uniforme militar pelo terno e a gravata. Alguns setores da oposição também fizeram uma autocrítica discreta, tendo reconhecido que, ao apoiar um golpe que dissolveu o Congresso e o Judiciário, ajudaram a instalar no país os mesmos elementos autoritários que diziam combater. Mas o namoro não durou três meses. A classe média e empresários voltaram a "exigir sua renúncia" -estratégia encontrada para driblar a Constituição, que garante a Chávez um mandato até 2006. Para prevenir um novo golpe, Chávez retomou seu estilo original para mobilizar os setores desorganizados da população que o recolocaram no cargo em abril. Desde então, todos os seus atos são vistos como provocações ao anticastrismo e anticomunismo dos empresários e da classe média. "Enquanto ele leva o país ao comunismo, os aluguéis comerciais acompanham a variação do dólar. Minhas vendas caíram 60% enquanto o aluguel subiu 50%", diz Antonio Pérez, sócio de uma pequena loja de sapatos num shopping de Caracas. " "A crise não é culpa de Chávez", diz Susana, que vende camisetas numa barraca no centro de Caracas. "O presidente quer trabalhar. Quem quer fazer greve são os empresários." O presidente venezuelano ainda conta com o apoio de cerca de 35% da população. Próximo Texto: Empresário diz que Chávez quer um "regime comunista" Índice |
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