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NOVA FRENTE
Analistas temem que a luta antiterrorista leve países da região a endurecer regimes indiscriminadamente
Guerra contra terrorrismo caminha para sul da Ásia
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
Desde o atentado em Bali, no
dia 6, analistas, militares e "policymakers" vêm discutindo a
abertura de uma "segunda frente"
na guerra contra o terrorismo
empreendida pelos EUA. Além
das chocantes imagens dos quase
200 mortos no paraíso turístico,
as explosões nas Filipinas e a admissão da Coréia do Norte de que
desenvolve armas nucleares serviram para ajudar a mudar o foco
da Ásia Central para a confluência
do Pacífico com o Índico.
Mas, especificamente no Sudeste Asiático, seriam Indonésia, Malásia, Filipinas etc. o novo abrigo/
incubadeira do extremismo da rede terrorista Al Qaeda?
"Dificilmente", afirma Wendel
Wallerson, especialista em política do Sudeste Asiático. "As sociedades da região e os meios de repressão do Estado são muito mais
sofisticados do que na Ásia Central. Os interesses internacionais
são mais presentes no dia-a-dia
das pessoas. O indonésio médio
está mais preocupado com seu telefone celular do que com a aplicação da sharia [lei islâmica"."
Para o analista, o que pode
acontecer na região é um endurecimento da repressão, até mesmo
em relação a movimentos que nada têm a ver com o extremismo. E
isso se daria para proteger os fluxos internacionais de capital.
O caso da Malásia parece confirmar essa "aproximação com o
mercado globalizado", um eufemismo usado por Wallerson para
designar o comprometimento da
economia como fator de uma
maior "estabilidade política".
Após transitar por uma tendência "terceiro-mundista" nos anos
80, quando Kuala Lumpur apoiou
a Organização para a Libertação
da Palestina -vista então com
maus olhos pelos EUA- e o Congresso Nacional Africano
-quando Mandela estava na prisão-, a Malásia virou a "menina
dos olhos" de Washington.
Hoje, segundo a Anistia Internacional, os presos com base na
Lei de Segurança Interna podem
chegar a uma centena. Essa lei, tida como uma "arma poderosa
antiterrorista", dá à polícia liberdade para prender sem mandado
ou acusação formal na Justiça.
O governo malasiano diz que ao
menos 70 supostos integrantes do
Jemaah Islamiyah, a nova vedete
dos caçadores de terroristas, estão
detidos por "tramar contra a segurança do Estado".
Tendo 53% de sua população
professando o islamismo, teme-se
que qualquer movimento que
pregue a reforma do Estado ou
que tenha legítimas aspirações
políticas possa ser encaixado na
definição de terrorista.
John Gershman vai pelo mesma
análise e afirma que os movimento extremistas no Sudeste Asiático
estão sendo superestimados.
Analista do IRC (Interhemispheric Resource Center), ele diz que
essa situação pode levar a uma
resposta militarizada a problemas
que lá realmente existem.
Wallerson lembra que não há
um terrorismo patrocinado pelo
Estado na região, e mesmo um
certo grau de confusão entre militância islâmica e política secular
não leva a risco de extremismos.
Ele aponta a eleição de Abdurrahman Wahid para presidente
da Indonésia, em 1999, como
exemplo. Wahid era um conhecido líder muçulmano.
"O problema é que Washington
tende a colocar na vala comum os
mais diferentes tipos de movimentos islâmicos", afirma.
O Jemaah Islamiyah ilustra o caso. Mesmo aparentemente tendo
ligações com a Al Qaeda e sendo
suspeito do atentado em Bali, o
grupo não teria mais do que 700
militantes na Indonésia, que é o
país com a maior população muçulmana do mundo.
O que temem os analistas é que
a ação deletéria desse grupo se reflita na repressão aos movimentos
separatistas não-violentos, como
o de Aceh, por exemplo.
Ali, em Aceh, eles identificam o
próximo ponto de tensão a estourar. Com 4,3 milhões de habitantes, a Província fica no noroeste
da ilha de Sumatra e tem uma história particular. Acabou sendo levada à força para a Indonésia,
quando o país se formou, após a
Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ser responsável por
um terço das exportações de gás
natural e de um quinto das de petróleo, sua participação no Orçamento total indonésio não ultrapassa os 5%. Reivindicando a independência, cerca de 500 mil
pessoas foram às ruas na capital
local, Banda Aceh, em 1999.
Além de Aceh, as regiões indonésias de Irian Jaya e Kalimantan
também são conhecidas por suas
aspirações separatistas.
"A adoção na Indonésia de novas leis contra o terrorismo pode
levar a um endurecimento do regime, como na época de Suharto,
e a um fortalecimento dos militares, coisa que a presidente Megawati Sukarnoputri não gostaria",
estima Wallerson. Esse movimento já começou: a Indonésia
anunciou ontem a adoção, por
decreto, dessas leis. A base é a
mesma da legislação da Malásia.
Próximo passo dos EUA
Membros da linha dura do governo Bush já se movimentam
para derrubar uma restrição do
Congresso, datada de 1999, que
impede a ajuda militar ao Exército indonésio, por causa de violações dos direitos humanos.
Se derrubada a restrição, analistas crêem que os EUA devam tentar levar adiante uma ação como a
das Filipinas, treinando tropas especializadas em combate ao terrorismo e fornecendo material.
A participação direta de tropas
americanas, como nas Filipinas,
não faz parte dos planos de Washington. Mas a grande questão
que deve se impor nos próximos
meses e que continua sem resposta é como os EUA vão se envolver
nos conflitos do Sudeste Asiático
sem que sejam tragados por eles.
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