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Escritor se sente mais velho que seu próprio país
EM MOÇAMBIQUE
Mia Couto, ou António Emílio
Leite Couto, 47, uma das vozes
mais originais da literatura de expressão portuguesa contemporânea, é também biólogo formado.
Moçambicano filho de portugueses, vive em Maputo. É autor de,
entre outros, "Cada Homem é
Uma Raça" (1990) e "A Varanda
do Frangipani" (1996). Militante
da Frelimo desde a sua fundação,
ele se diz afastado do partido antes marxista. Em seu escritório,
Mia falou com a Folha sobre política e literatura. "Aqui, o nascimento de uma literatura nacional
é contemporâneo do nascimento
da própria nacionalidade. Eu sou
mais velho que o meu país."
Militância
A militância foi vivida de uma
maneira muito empolgante. Nós
estávamos fazendo uma coisa ética, ajudando a criar uma nação.
Hoje eu tenho uma relação crítica
com essa militância. Mas não posso deitar essa parte da vida fora; se
não, fica um vazio. Estou disponível para a defesa de certas coisas,
mas tenho que passar pelo crivo
da minha consciência de hoje.
Escrever em Moçambique
Em Moçambique, tu logo
aprendes que ser escritor é uma
coisa pequena. Os escritores pensam sempre que o mundo depende do que eles estão fazendo. Aqui
tu aprendes que não, porque o
universo dos que lêem é tão pequeno, o livro circula tão pouco
que é uma espécie de aprendizagem de humildade, que faz bem.
Graciliano e Amado
Quando tomei consciência dessa contaminação pela literatura
brasileira, eu já estava "doente",
no sentido bom. Havia uma certa
redescoberta com Graciliano,
com Jorge Amado, de que, afinal,
a língua pode ser outra coisa, trabalhada de outra maneira. Também as temáticas políticas, no caso particular de Jorge Amado,
eram coisas que coincidiam. O
ambiente literário de Moçambique estava muito mais ligado ao
do Brasil do que ao de Portugal.
Luandino e Guimarães Rosa
Tenho que falar também de
Luandino Vieira, o escritor angolano, que marcou-me muito. E ele
confessa que foi autorizado, também ele, por um outro, um tal
João Guimarães Rosa, que eu não
conhecia. Um amigo meu trouxe
as "Terceiras Histórias". E de fato
foi uma paixão. Foi de novo alguém que dizia "isto pode-se fazer literariamente".
Branco em terra de negro
No cotidiano, não me sinto discriminado. De vez em quando, sim,
por razões de certo oportunismo,
quando a porta é estreita e só dá
para passar um. Aí lembram que
eu sou branco e talvez não seja tão
representativo. O modelo americano de ação afirmativa não é
uma política oficial, como na África do Sul, mas é usado como argumento quando preciso. Mas em literatura não tem sentido falar em raças. Como escritor, me sinto mulato do ponto de vista cultural.
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