|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Exércitos privados mimetizam Forças Armadas dos EUA
Empresas mercenárias, como a Blackwater, "são capazes de derrubar um pequeno governo", afirma autor americano
Jeremy Scahill diz que governos não precisam mais de aliados -basta alugar soldados; empresas agem em impunidade quase total
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
A empresa americana Blackwater começou a aparecer para
o público em 2004, quando
quatro de seus "agentes privados de segurança" -nome eufemístico dado a mercenários
modernos- foram mortos,
mutilados e queimados por
uma multidão furiosa na cidade
iraquiana de Fallujah.
Em 2007, novas manchetes
dedicadas à Blackwater deram
pistas do motivo do ódio de iraquianos a agentes privados:
mercenários da empresa mataram 17 civis em Bagdá, em ação,
segundo investigação do FBI,
absolutamente injustificada.
E os mercenários não estão
no Iraque por acaso: são contratados pelos EUA para, principalmente, fazer a segurança
de diplomatas e instalações
-com ação facilitada pela quase completa impunidade.
Para Jeremy Scahill, autor de
"Blackwater -A Ascensão do
Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo" (Companhia das Letras, 2008, R$ 52),
os negócios andam tão bem para empresas mercenárias que
elas já "são capazes de derrubar
um pequeno governo". E
atuam, inclusive, na América
Latina. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Folha.
FOLHA - Como a Blackwater reflete
a história da guerra moderna?
JEREMY SCAHILL - Ela representa
a nova face das guerras travadas pelos EUA. Desde a Segunda Guerra, o governo americano vem privatizando radicalmente suas capacidades militares. No Iraque, há mais agentes
privados do que soldados americanos. A Blackwater formou
um aparato paralelo das forças
de segurança: tem Força Aérea,
Marinha, aeroportos. E 90%
dos contratos da Blackwater
são com o governo americano.
Agora estão trabalhando em
sua própria agência de inteligência, uma CIA particular. Veja, atualmente os EUA têm 16
agências governamentais de inteligência, com um orçamento
conjunto de entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões -o número exato é secreto. 70% desse orçamento é usado para pagar serviços de empresas privadas. Quem garante que uma
empresa privada que tem milhões em contratos com o governo americano não vai incluir em relatórios para outros governos informações que são
de interesse da Casa Branca?
FOLHA - Qual a relação dos mercenários com a guerra ao terror?
SCAHILL - São parte essencial da
guerra ao terror. Um presidente como George W. Bush pode
ganhar muito com essas empresas. Ele não precisa mais
formar uma coalizão com governos estrangeiros nem lidar
com uma opinião pública internacional hostil. Pode pagar por
uma coalizão de corporações,
que vão contratar mercenários,
inclusive em países cujos governos se opõem às guerras.
Isso aconteceu no Chile, que
votou contra a invasão do Iraque quando era membro rotativo do Conselho de Segurança
da ONU. O governo Bush, através da Blackwater, enviou para
o Iraque centenas de chilenos.
Outra questão é que, como
não há contagem oficial das
mortes dos agentes privados,
isso encobre o custo humano.
Os americanos pensam que há
150 mil soldados no Iraque,
mas há outros 180 mil mercenários contratados pelo governo. Então na verdade são mais
de 330 mil soldados.
E não há leis sendo aplicadas
sobre a punição de agentes privados em caso de abuso. Isso é
uma ameaça à segurança das
pessoas do mundo todo, porque não param de crescer esses
exércitos privados com capacidade suficiente para derrubar
um pequeno governo.
Texto Anterior: Diplomacia: Brasil elogia fim das sanções da UE a Cuba Próximo Texto: Mercenários expandem ações na América Latina Índice
|