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CRISE CONTINENTAL
Para o uruguaio Luis Costa Bonino, protestos violentos são antidemocráticos; especialistas questionam tese
"Golpe social" ameaça AL, adverte analista
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
A América Latina, que já viveu
sob o espectro dos golpes militares, enfrenta agora uma nova
ameaça à democracia, os "golpes
sociais". O alerta é lançado pelo
cientista político uruguaio Luis
Costa Bonino, 52.
"Quero chamar a atenção para a
lógica antidemocrática de alguns
movimentos sociais de protesto
que derrubaram ou ameaçam
derrubar governos latino-americanos eleitos de forma legítima",
afirma Bonino, doutor pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
"Estranhamente, considera-se
que pessoas que realizam saques e
outras formas violentas de protesto representam o povo, em oposição aos políticos que roubam a
sociedade. Os "golpes sociais" podem derrubar governos legítimos, mas não têm nenhum fundamento de legitimidade", diz.
Sua tese, no entanto, é contestada por estudiosos nas áreas de
ciência política e/ou organização
da sociedade ouvidos pela Folha.
"Os movimentos sociais estão
fazendo demandas legítimas e é
preciso construir canais de diálogo. Do contrário, só há uma forma de parar com os movimentos
sociais: a ditadura", afirma a antropóloga Leilah Landim, 53, professora de serviço social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Mais atuais, iminentes e perigosos são os "golpes de mercado",
que, como já disse Soros [George
Soros, dono de um dos maiores
fundos de investimento do mundo", vota 24 horas por dia, não a
cada quatro anos", diz José María
Gómez, 55, professor de teoria
política da UFRJ, autor de "Política e Democracia em Tempos de
Globalização" (ed. Vozes, 2000).
"É verdade que governos democraticamente eleitos têm caído
com uma frequência razoável na
região, mas vejo com suspeita
qualquer generalização", diz Octavio Amorim Neto, 38, professor
de ciência política da Fundação
Getulio Vargas (RJ).
Todos concordam ao definir as
causas da instabilidade política na
América Latina: a manutenção ou
mesmo o aprofundamento da exclusão social, e a incapacidade dos
governos democráticos, acuados
pelo endividamento interno e externo e pela dependência do capital financeiro, de darem uma resposta ao problema.
"A semente dos "golpes sociais"
foi supor que seria possível construir democracias estáveis sobre
as fundações da exclusão social",
afirma Bonino. Ele inclui o crescimento da representação corporativa e o desprestígio das instituições políticas (parlamentos e partidos) como os outros componentes da tríade que explicaria os
"golpes sociais".
Segundo o uruguaio, o desprestígio dos militares torna pouco
provável a ocorrência de golpes
militares. "Mas os "golpes sociais"
têm se mostrado eficazes para eliminar líderes que resultem incômodos para certos grupos que,
em alguns casos, têm poder, mas
não têm suficientes votos", diz.
A situação na Venezuela seria,
para Bonino, um exemplo puro
de "golpe social" em andamento.
"Pobreza e marginalidade como
antecedentes imediatos da ascensão de Hugo Chávez; a irrupção
da participação corporativa
-com os diversos grupos descontentes com o governo de um
lado e os apoiadores do presidente de outro- nas ruas; e a inexistência de instituições representativas que falem em nome de toda
a sociedade. A única alternativa
para os setores sociais em conflito
é ganhar e submeter ou perder e
ser submetido", diz.
Para Octavio Amorim Neto, especializado em política latino-americana, o problema venezuelano só pode ser entendido a partir de uma análise da atuação de
Chávez, a quem ele faz duras críticas.
"Nunca se viu, na história recente da América Latina, um presidente atiçar, pela sua retórica e
pela sua ação, a luta de classes como Chávez está fazendo. As elites
venezuelanas não são flor que se
cheire, mas um presidente que
transformou a mobilização do
ressentimento popular contra as
classes altas em método de governo está fadado ao fracasso", diz.
Para Amorim Neto, os governos
democráticos devem defender os
interesses dos mais carentes, mas
não podem transformar as classes
média e alta em "inimigos". "Se
isso acontecer, eles se protegem
de forma radical também. Os radicais se retroalimentam", diz.
Já a queda do presidente argentino Fernando de la Rúa, há um
ano, foi, segundo o cientista político, resultado de uma reação espontânea da população diante da
gravíssima situação econômica.
"Não havia na Argentina um movimento organizado com o objetivo de derrubar o governo", diz.
Bonino tem outra visão: "A Argentina tem agentes especializados nesses "golpes sociais': os "piqueteiros". Além disso, o golpe social fez o serviço à sociedade de
transformá-la em inocente das
possíveis responsabilidades coletivas pela bancarrota do país".
José María Gómez, nascido na
Argentina mas radicado no Brasil
há 23 anos, considera legítimos os
movimentos de contestação. "Podemos inverter o raciocínio e discutir até que ponto são democráticas as nossas democracias. Que
qualidade de democracia temos?
As lutas dos supérfluos ou secundários podem parecer antidemocráticas, mas são democráticas. E
não é porque foram respeitadas as
regras democráticas que aqueles
que conduzem a política não devam ser questionados, inclusive
porque eles têm descumprido
suas promessas eleitorais."
Ele salienta, no entanto, que os
movimentos de contestação não
têm resultado em projetos políticos concretos. "A tese do "golpe
social" pode dar uma idéia falsa de
ver, por trás dos conflitos sociais,
um ator que desestabiliza como se
fosse portador de um projeto.
Mas as múltiplas resistências não
têm conseguido convergir e se
tornar um sujeito homogêneo."
Para a antropóloga Leilah Landim, a resposta à instabilidade política na América Latina é uma só:
mais participação dos movimentos sociais. "Quanto mais a sociedade construir canais através dos
quais os interesses possam ser negociados, quanto mais institucionalizados estiverem os movimentos sociais, maior a possibilidade
de uma transição democrática em
momentos de crise. O voto é fundamental, mas não basta."
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