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Governo Lula definirá rumos para a região
DA REDAÇÃO
O Brasil sob o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva será um importante teste para a democracia
na América Latina, segundo os estudiosos ouvidos pela Folha. "Como o maior país da região, o rumo do Brasil deve definir o rumo
dos outros países. Enquanto o
Brasil permanecer estável, não vejo condições para uma onda de
golpes na América Latina", diz
Octavio Amorim Neto (FGV-RJ).
De acordo com os entrevistados, o Brasil está na contracorrente da maior parte dos países latino-americanos porque exibe, no
momento, grande vigor democrático. São vários os fatores que
justificam essa análise.
Em primeiro lugar, o Brasil, ao
contrário de países como Venezuela, Argentina ou Peru, vive,
desde a década de 90, um fortalecimento de seu sistema partidário. A chegada do PT ao governo,
22 anos após sua fundação, mas
também a atuação do PSDB e do
PFL durante o governo Fernando
Henrique Cardoso seriam indicativos desse processo.
Em segundo lugar, o país está se
mostrando, ao menos por enquanto, maduro para viver uma
real alternância de poder, com a
eleição democrática, pela primeira vez na história do país, de um
governo de esquerda.
Em terceiro lugar, destaca-se a
tranquilidade do processo de
transição e a preocupação por
parte dos recém-eleitos de demonstrar, com clareza, que pretendem mudar com estabilidade e
dentro do figurino democrático.
"Esse esforço enorme que Lula,
José Dirceu e José Genoino estão
fazendo para formar uma aliança
majoritária é muito importante
para a estabilidade política porque a história brasileira mostra
que, quando o governo está bem
assentado nos partidos e no Congresso, é muito mais fácil responder às crises. Se Lula tiver respaldo político no Congresso, não
creio que haja maiores riscos,
apesar das dificuldades econômicas", afirma Amorim Neto.
"Quando um país complexo e
heterogêneo como o Brasil tem
um presidente de esquerda que
governa dentro do figurino democrático e consegue fazer mudanças, o efeito demonstração é
fundamental", diz.
A professora Leilah Landim
(UFRJ) chama a atenção para outro ponto positivo da democracia
brasileira: o alto nível de organização da sociedade. "Foram os
movimentos sociais, muitos deles
ilegais nos anos 70 e 80, que construíram a sociedade democrática
de hoje, muitas vezes radicalizando, às vezes atropelando, mas
também dialogando."
"A Constituição de 1988 foi feita
com a participação de movimentos sindicais, de bairros, de negros, de mulheres, de crianças e
adolescentes, de defesa de direitos
específicos. Ela estabeleceu os
conselhos, que são instituições de
participação da sociedade civil ao
lado do Estado. A organização social é não só necessária como inevitável", afirma.
Amorim Neto concorda com a
relevância da organização social,
mas ressalva que o protagonismo
na política deve ser dos partidos.
"A Constituição brasileira determina que o monopólio da representação é dos partidos. Os
movimentos sociais são importantes como alerta, mas, quando
emergem mais fortes do que os
partidos, é um sinal de que estes
estão tendo dificuldades em canalizar os interesses da sociedade.
Os movimentos sociais representam interesses específicos. A beleza dos partidos é representar um
espectro amplo de interesses."
Para Leilah Landim, o governo
Lula oferece uma oportunidade
inédita de diálogo entre o governo
e a sociedade organizada. "Esse
pessoal tem mais canais de diálogo com os movimentos sociais do
que qualquer outro governo já teve. Agora, se os canais não funcionarem, os movimentos vão continuar lutando e buscando canais
de participação", diz.
José María Gómez (UFRJ) acredita que a população brasileira tenha feito uma "aposta elevadíssima de mudança" e teme que possa haver uma desilusão. "As margens de manobra são estreitas, e
os riscos são enormes. Por um lado, há o risco do continuísmo.
Por outro, há o risco de que movimentos e setores tomados por um
voluntarismo irrealista comecem
a exigir mudanças mais radicais."
"Há um desejo claro de mudança, mas isso vai levar tempo. É importante que Lula sinalize a busca
de alternativas desde o primeiro
dia de governo. Do contrário, tomará corpo uma sensação de fracasso das expectativas, e isso é
muito perigoso", afirma.
"É fundamental que tenham
êxito os objetivos do novo governo de resolver o problema da fome e de reduzir a desigualdade social. Do contrário, haverá grandes
massas disponíveis para "golpes
sociais" também no Brasil. Provavelmente liderados por políticos
de mentalidade corporativa e setorial, da própria esquerda, hostis
a coalizões e acordos. Enfim, à democracia representativa", diz
Luis Costa Bonino.
(OD)
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