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FÉ NA AMÉRICA
Tendência provoca críticas por aproximar a igreja do Estado
Bush coloca religião no centro da vida política
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
"In God we trust." Raras vezes
antes de George W. Bush um presidente norte-americano levou
tão a sério a frase impressa em cada nota de dólar nos Estados Unidos. Na Casa Branca de Bush, reuniões ministeriais começam com
uma oração. Funcionários são
instados a participar de leituras
diárias da Bíblia, cujos trechos são
transpostos regularmente para
discursos presidenciais.
Embora seja prematuro afirmar
que o governo da maior potência
do mundo seja refém da fé religiosa de seu presidente, críticos enxergam em sua gestão a maior
ofensiva já feita contra a separação entre igreja e Estado, um dos
princípios republicanos basilares,
consagrado na Primeira Emenda
à Constituição dos EUA.
Em dois anos de governo, Bush
propôs canalizar recursos sociais
para entidades religiosas, autorizar preces e sermões em escolas
públicas, subsidiar faculdades geridas por grupos religiosos e financiar o trabalho de entidades
religiosas em presídios. "Estamos
contestando na Justiça cada uma
dessas iniciativas", disse à Folha
Jeremy Leaming, diretor da Americans United for The Separation
of Church and State, entidade sediada em Washington. "Bush é a
pior ameaça à primeira emenda
pelo menos em cem anos."
No plano externo, Bush exibe a
convicção de ser dirigido por uma
força divina que dá virtude moral
à missão dos EUA no mundo
-não só à guerra contra o terrorismo e à ofensiva contra o ditador Saddam Hussein, mas também à consolidação da hegemonia americana.
"Nós, americanos, temos fé em
nós mesmos, mas não apenas em
nós mesmos", disse o presidente
durante seu último discurso sobre o Estado da União, no mês
passado, no qual prometeu combater os "homens do mal" espalhados pelo mundo. "Não afirmamos ter conhecimento de tudo o
que a Providência nos reserva,
mas podemos confiar nela, depositando nossa confiança no Deus
amoroso que está por trás de toda
a vida e de toda a história. Que Ele
possa nos guiar agora, e que Deus
continue a abençoar os Estados
Unidos da América."
Segundo a Casa Branca, as referências religiosas do presidente
refletem seu próprio pensamento
e visam energizar a fé da população, não uma religião em especial.
"No começo, senti-me estranho lá
dentro, mas nunca fui coagido ou
hostilizado por não participar das
leituras da Bíblia", disse à Folha
David Frum, que trabalhou na
Casa Branca como redator de discursos de Bush durante mais de
um ano. Frum é judeu.
Para os grupos religiosos que
defendem o presidente, Bush está
trazendo a fé para a vida pública,
mas não mistura igreja com Estado. Para eles, a religiosidade de
Bush reforça não somente a fé dos
cristãos, mas também a dos judeus, a dos budistas e até a dos
muçulmanos.
Mas os críticos temem a avaliação de religiosos que apóiam a
Casa Branca, como o rabino Daniel Lapin. Segundo Lapin, a religiosidade de Bush afastou a "epidemia da secularidade" imposta à
população americana durante os
oito anos de governo Bill Clinton.
"Este é um país religioso. O conflito hoje não é entre fés concorrentes, mas entre as tradições judaica
e cristã e a fé do liberalismo secular fundamentalista."
Num país em que 90% acreditam em Deus, 80% em milagres, e
dois terços, na existência do diabo, a religiosidade dos presidentes é regra, não exceção. Dos 43
presidentes, apenas dois se consideravam livres-pensadores (Thomas Jefferson e Abraham Lincoln,
que se dizia "deísta" e seguidor de
Tom Paine). O restante esteve associado a várias denominações
do protestantismo, e apenas um
(Kennedy) era católico.
Os grupos protestantes que
mais elegeram presidentes foram
o episcopal (George Washington,
James Madison, James Monroe,
Franklin Delano Roosevelt, Gerald Ford e George Bush pai, entre
outros) e o presbiteriano (Andrew Jackson, James Buchanan,
James Knox Polk -que se tornaria metodista-, Grover Cleveland, Woodrow Wilson, Ulisses
Grant, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan).
Desse ponto de vista, Bush confirma a regra. No entanto seus críticos dizem que o atual presidente
inova ao transportar sua religiosidade do discurso para a ação política. "Reagan citava Deus, mas
não usava a fé para guiar políticas
públicas nem para beneficiar grupos religiosos com dinheiro público", diz Leaming.
Bush pertenceu a uma igreja
episcopal até converter-se, no casamento, ao metodismo, religião
de sua mulher, Laura. Variante
anglicana muito rígida, o metodismo foi fundado no século 18
por religiosos que adotavam um
modo de vida rigorosamente respeitador dos preceitos bíblicos.
Mas foi somente em 1986, no
ápice de seus problemas com o álcool, que Bush teria adotado a religião como âncora de sua vida.
Naquele ano, Bush teve uma longa conversa com o reverendo
Billy Graham, da qual, segundo
suas próprias palavras, saiu
"transformado". Como relatou
Bush em sua autobiografia, Graham plantou "a semente da fé"
em seu coração. "Foi o começo de
uma nova caminhada, na qual eu
comprometi meu coração novamente com Jesus Cristo."
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