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"Para os EUA, não há paraíso na Terra"
PATRICK SABATIER
FRANÇOIS SERGENT
DO "LIBÉRATION"
O tradutor do pensamento de
George W. Bush tornou-se um
best seller. Robert Kagan, especialista em política externa, estratégia militar e defesa americana, é
um dos inspiradores do ideário
que vem guiando o governo dos
EUA pelo território iraquiano.
Em livro recém-lançado, "Of
Paradise and Power - America
and Europe in the New World Order" (De Paraíso e Poder - A América e a Europa na Nova Ordem
Mundial, ed. Knopf), Kagan materializa argumentos defendidos
por ele desde 96 -e que formam,
hoje, a visão dos partidários de
uma hegemonia que não recua
diante do recurso à força armada
-pensamento que domina o
meio de Bush.
A obra foi classificada pelo ex-secretário de Estado dos EUA
Henry Kissinger (1973-1977) como um "tratado seminal", e Javier
Solana -responsável pela política externa da União Européia-
distribuiu um exemplar do escrito
de Kagan a cada embaixador da
Europa -com a recomendação
de que fosse utilizado como um
manual de instruções ao pensamento do presidente americano.
Formado em Yale e em Harvard
e ex-redator dos discursos de
George Schultz -que foi secretário de Estado de Ronald Reagan-, Kagan é diretor do Projeto
de Liderança Americana na Fundação Carnegie de Paz Internacional, em Washington, cujo objetivo é definir o papel dos EUA
como único superpoder mundial.
"Não é de hoje que a política
americana objetiva preservar a
hegemonia dos EUA no mundo.
Dizê-lo é um sinal de franqueza",
afirma. Leia as explicações de Kagan para a guerra no Iraque.
Pergunta - Por que George W.
Bush decidiu lançar uma guerra
contra o Iraque?
Robert Kagan - O Iraque vem
sendo um dos maiores problemas
da política externa americana
desde os anos 90. É importante
lembrar que a primeira liderança
americana a falar na derrubada de
Saddam foi Madeleine Albright
[secretária de Estado no governo
Clinton]. Bill Clinton quase declarou a guerra em fevereiro de 98 e
bombardeou o Iraque em dezembro desse ano. Mesmo sem o 11 de
setembro, mais cedo ou mais tarde teria ocorrido um confronto
com Saddam.
Trata-se, antes de mais nada, de
um problema de segurança regional. Saddam foi agressor no passado, e nada indica que ele tenha
abandonado suas ambições. Isso
sem falar nas armas de destruição
em massa que procurou estocar e
que utilizou contra os iranianos e
a sua própria população.
Não é uma cruzada. É claro que
os EUA nunca lançaram uma
ação militar sem proclamar que
querem instituir um governo democrático no local. Não entramos
na guerra em 1943 para democratizar a Alemanha e o Japão, mas
foi isso que terminamos fazendo.
Não creio que o que move Bush
principalmente seja o desejo de
levar a democracia ao Oriente
Médio. Seria difícil fazê-lo, e
quem acredita que isso pode ser
feito invadindo o Iraque peca por
excesso de otimismo. Isto dito,
nosso objetivo nessa região deve
ser o de melhorar os regimes ou
proteger as ditaduras? Se instalarmos um governo mais livre, isso
exerceria um efeito sobre o conjunto do mundo árabe.
Pergunta - Mas o objetivo da resolução 1.441 é o desarmamento
do Iraque.
Kagan - Essa é uma concessão de
Bush à comunidade internacional. Não sou porta-voz deles, mas
ninguém da administração Bush
jamais imaginou que o problema
do Iraque pudesse ser resolvido
apenas com o desarmamento.
A visão dominante é a que foi
expressa pelo vice-presidente,
Dick Cheney, em agosto de 2002:
basicamente, as inspeções não
podem funcionar. A resolução
1.441 foi um acordo de meio-termo entre os que acham que é preciso tirar Saddam do poder e os
que desejam evitar a guerra.
Pergunta - Não há razões econômicas, como o petróleo?
Kagan - Estou certo de que não é
essa a razão da guerra. Existe petróleo no Iraque, é claro. Não se
daria tanta atenção ao país se não
houvesse. Mas não creio que a
França ou os EUA ajam por causa
do petróleo. Se isso fosse tudo o
que os EUA quisessem, haveria
um meio bem mais simples e menos caro de consegui-lo: suspender as sanções da ONU e normalizar as relações com Saddam.
Pergunta - Os europeus vêem na
política de Bush a prova de uma
ambição neo-imperialista dos EUA.
Kagan - Vários dirigentes americanos pensam que, no mundo de
hoje, essa supremacia é provavelmente a opção melhor que existe.
Com todos os seus defeitos, os
EUA são uma superpotência benévola. Os europeus não têm realmente medo deles. Se tivessem, encontrariam outras maneiras de
se opor aos Estados Unidos, em
vez de votar contra o país no Conselho de Segurança.
Pergunta - Do ponto de vista
americano, a oposição dos europeus à guerra tem origem numa
falta de coragem ou num ""nacionalismo europeu" antiamericano?
Kagan - Os europeus vêem as
ações dos EUA contra o Iraque
como ameaça ao conceito deles
de como deve ser a ordem internacional, no qual a única fonte de
legitimidade quando se trata de
empregar a força deve ser o Conselho de Segurança. Nem sempre
eles tiveram esse conceito -no
caso de Kosovo, intervieram sem
nenhuma resolução da ONU.
Essa discussão é a principal
questão em jogo no confronto
atual. Os europeus são frutos de
sua história -feita de guerras
mundiais, mas também inspirada
pela criação da União Européia,
um milagre geopolítico.
No continente europeu, a força
armada hoje já deixou de ser instrumento das relações internacionais. Enquanto isso, os EUA já provaram que se dispõem a recorrer à força, e com frequência
-em sete ou oito ocasiões nos últimos 14 anos. Para os EUA, o recurso à força armada é legítimo.
Pergunta - Em seu livro, o sr. usa a
metáfora dos EUA como xerife que
impõe a lei e a ordem no mundo.
Pode ele fazê-lo contra a vontade
dos habitantes das aldeias?
Kagan - Se o objetivo é disciplinar a potência global que é os
EUA, de vinculá-la ao máximo ao
sistema legal internacional do
qual os europeus são defensores,
existem maneiras mais inteligentes de fazê-lo. O risco, para os europeus, é que uma nova geração
de líderes americanos passe a
achar que o Conselho de Segurança não é um lugar frequentável, o
que representaria uma derrota
extrema para a visão européia de
ordem internacional.
Pergunta - Um sistema unipolar
tendo os EUA no centro e a força como instrumento pode ser estável?
Kagan - Não sugeri que a força
seja a resposta para todos os problemas. A força armada é um instrumento necessário, mas que
não será empregado exceto em
casos extremos.
Quanto ao mundo "unipolar",
eu o vejo como bastante estável,
sim. Qual seria a alternativa "multipolar"? A Europa não constitui
um pólo, se levarmos a potência
militar a sério. Não é possível decretar um mundo multipolar.
Os verdadeiros pólos alternativos são a China ou a Rússia no futuro. Prefiro, portanto, um mundo unipolar com os EUA. Ademais, a história já mostrou que os
mundos multipolares não são
mais estáveis do que os outros:
basta olhar para os séculos 18, 19
ou 20 e suas guerras.
Pergunta - A força armada é realmente a resposta às ameaças do século 21? O que pode toda a sofisticação dos armamentos norte-americanos contra um Bin Laden?
Kagan - Para começar, a percepção do que é a ameaça vem mudando a cada quatro anos desde
que a Guerra Fria chegou ao fim.
Falava-se em ameaça geoeconômica global. Depois, falava-se em
conflitos étnicos. Hoje, o adversário é o terrorismo. Ninguém sabe,
na realidade, quais serão as ameaças do futuro.
Não digo que o poderio militar
seja a resposta para tudo. Mas, na
maioria das regiões do mundo, o
exercício do poder continua a ser
o "modus operandi" principal. A
Europa vive uma situação particular, pós-histórica e pós-moderna. Talvez seja a última fase da civilização humana. Existe uma dicotomia entre a Europa e o resto
do mundo, e até mesmo entre a
Europa e a América.
É Robert Cooper [diplomata
britânico], atual conselheiro de
Javier Solana, quem diz que a Europa vive num mundo pós-moderno, e a América, no mundo moderno. Acredito no progresso
humano, mas apenas até certo
ponto. É essa a divergência fundamental entre a Europa e a América. Em que estágio da evolução da
história nos encontramos?
Os europeus são mais otimistas,
devido à sua experiência multipolar na União Européia. Mas, para
os EUA, que mantêm milhares de
soldados no Japão e na Coréia e
que garantem a segurança do
Golfo, não existe paraíso na Terra.
Os EUA vivem num mundo em
que a força militar conta, sim.
Pergunta - Qual será o futuro dos
laços transatlânticos?
Kagan - Sou otimista, mais por
nostalgia do que devido a qualquer análise. O Iraque é uma crise
aguda que traz à tona grandes fissuras, mas ela não vai durar para
sempre. Uma vez concluída a
guerra, a poeira vai assentar. Há
coisas demais que ligam os EUA à
Europa -a economia, a filosofia
política, a história... É evidente
que não vejo nem os europeus
nem os americanos mudando
fundamentalmente sua percepção do mundo e sua concepção
sobre o uso da força.
Por outro lado, haverá nos EUA
uma reação contra a experiência
dolorosa tida com os aliados americanos nos últimos meses. Quer
isso seja feita pela administração
atual ou pela próxima, haverá um
esforço para melhorar as relações.
Os americanos não gostam de se
sentir totalmente fora de compasso com seus aliados.
Por outro lado, existe um sentimento de revolta sem precedentes, e que não compartilho, contra
determinados aliados, especialmente a França. Os EUA vão buscar apaziguar os ânimos. A distância entre os dois países vai continuar, trata-se de aprender a administrá-la. A diplomacia é feita
de arranjos desse tipo.
Tradução Clara Allain
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