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GEOPOLÍTICA
Ao fomentar antiamericanismo, ação unilateralista afeta interesses dos EUA a longo prazo
Guerra é teste para Doutrina Bush
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A Doutrina Bush tem seu primeiro teste nesta guerra contra o
Iraque e, em tese, poderá abrir caminho para outras ações militares
preventivas se os interesses dos
EUA estiverem ameaçados.
Todavia, de acordo com especialistas consultados pela Folha,
mesmo que venham a existir, as
novas guerras preventivas não deverão ocorrer do mesmo modo
como a ação militar no Iraque.
"Desde 1945, o uso da força limitou-se à autodefesa. Guerras
preventivas não eram aceitas. Por
conta do que Washington pensa
ser um perigo iminente de que os
terroristas obtenham armas de
destruição em massa, os EUA
crêem não poder esperar", avaliou Joseph Nye, reitor da Kennedy School of Government, da
Universidade Harvard (EUA).
"Porém, se pretendem expandir
o critério de iminência para poder
lançar guerras preventivas, os
EUA deveriam privilegiar o multilateralismo. Afinal, caso contrário, será criado um terrível precedente, que poderá permitir a invasão da Geórgia pela Rússia, por
exemplo, e minar os interesses
americanos a longo prazo."
A Doutrina Bush é o conjunto
de princípios e de métodos preconizados por Washington para
proteger os EUA de ataques terroristas, consolidar sua hegemonia
na esfera mundial e perpetuá-la.
Ela parte do pressuposto de que
os EUA (a única superpotência do
planeta) têm o papel de proteger o
mundo civilizado dos terroristas.
Assim, permite o lançamento de
ataques preventivos a Estados que
poderiam lhes fornecer armas de
destruição em massa.
Na prática, contudo, a idéia de
que uma onda de ataques preventivos unilateralistas americanos
pode existir é inviável. "Depor um
chefe de Estado, reconstruir um
país e instalar nele um governo estável são tarefas muito complexas", apontou Charles Tilly, da
Universidade Columbia (EUA).
"Em termos práticos, a conquista e a ocupação do Iraque serão
tão complicadas, será tão difícil
manter certa estabilidade, que
acho improvável que Washington
decida atacar outros alvos rapidamente. Por exemplo, [George W.]
Bush não está mais tão determinado a obrigar a Coréia do Norte
a acatar suas diretivas, o que mostra que ele está ciente das dificuldades que enfrentará no Iraque."
Ademais, Nye lembrou que o
maior aspecto do poder americano foi, ao longo das últimas duas
décadas, seu "soft power" (a força
internacional de um país que advém de sua influência cultural e
ideológica sobre o restante do planeta). Ora, ações militares unilateralistas só tendem a atenuar essa
influência americana na cena internacional, prejudicando seus
interesses a longo prazo.
Para Charles Kupchan, do
Council on Foreign Relations
(EUA), a própria essência da doutrina minará o poderio americano. "Ela argumenta que o objetivo
dos EUA é manter seu domínio
mundial, resistindo ao aparecimento de um contrapeso que
possa ameaçar sua hegemonia.
Paradoxalmente, isso provocará o
surgimento de vários pontos de
resistência à política americana."
De fato, ações militares dos
EUA sem a anuência internacional formal (a ONU não aprovou a
ação no Iraque) e que deverão
causar milhares de mortes entre
os civis tendem a criar um ambiente propício ao surgimento ou
à consolidação de movimentos
extremistas antiamericanos.
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