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Pacifistas de hoje se afastam da geração dos anos 60
JOHN LELAND
DO "THE NEW YORK TIMES"
Em 1965, o então diretor do FBI,
J. Edgar Hoover, avaliou o movimento de oposição à Guerra do
Vietnã e o descreveu como uma
cultura à parte. Os manifestantes,
disse Hoover, representavam
"uma minoria composta, em sua
maior parte, de cidadãos pela metade, aos quais falta maturidade
moral, mental e emocional".
Uma geração mais tarde, no sábado da semana passada, Suzyn
Smith desceu a avenida Constitution, em Washington, numa passeata pela paz e anunciou que, na próxima manifestação, vai vestir
algo mais chamativo do que uma
simples regata preta. "A imprensa
tende a centrar sua atenção em
pessoas que se vestem como hippies", disse Smith, 24, opinando
que a atenção dada aos hippies é
excessiva. Caminhando ao lado
de sua tia numa multidão de manifestantes contrários à guerra no
Iraque, ela formulou uma visão
inteiramente diferente da de Hoover. "As ruas estão cheias de gente
de meia-idade, sem graça, grupos
que vêm de igrejas e idosos",
prosseguiu. "Não é todo o mundo
parte de uma contracultura."
É assim que têm sido as manifestações americanas contra a
guerra no Iraque, que começaram
de maneira esporádica em outubro passado e continuaram em
todo o país na semana passada.
Os cartazes em favor da paz estavam de volta, e até algumas das
roupas tingidas com manchas, à
moda dos anos 1960; John Mellencamp e a banda Public Enemy
cantavam músicas de protesto.
Mas o movimento antiguerra
mais recente difere de maneiras
fundamentais de seu predecessor
dos anos 60, com todo seu potencial sísmico social.
Naquela época, os manifestantes se reuniam com um objetivo
político em vista -acabar com a
guerra-, mas também devido à
convicção de que muitos dos valores subjacentes à sociedade
americana estavam errados: o
conformismo dos anos 50, o materialismo, o racismo e até mesmo
a monogamia e a família nuclear.
Os valores alternativos que eles
expressavam com suas roupas,
música, hábitos sexuais e outras
escolhas de estilo de vida pareciam propor um mundo inteiramente diferente. Muitos historiadores acham que essa contracultura moldou a América mais profundamente e por muitos anos
mais do que as próprias manifestações contra a guerra.
Na semana passada, porém,
quando manifestantes em todo o
país se reuniram para protestar
contra a guerra, com alguns poucos contingentes radicais atrapalhando o trânsito ou destruindo propriedade alheia, não se teve a
impressão de que eles compartilhassem um desejo comum de reformular os valores e as instituições americanos.
Em parte devido à internet, o
movimento antiguerra vem se
compondo sem líderes aparentes.
Os cartazes erguidos nas manifestações revelam não uma uniformidade filosófica, mas uma diversidade microcósmica: "homens
anglo-saxões brancos e heterossexuais a favor da paz", "eleitor capitalista a favor da paz", "travecos
contra a guerra."
Se a contracultura inspirou outros movimentos, do feminismo
às dietas naturalistas, também teve aspectos negativos, disse Stephen Zunes, coordenador do programa de estudos de paz e justiça
da Universidade de San Francisco. "As manifestações de hoje têm
mais credibilidade", disse. "Nos
anos 60, muitos americanos da
classe média ficaram contra o
movimento devido à alta visibilidade da contracultura."
Andrew Greenblatt, 34, responsável pelo site do grupo True Majority (maioria verdadeira), que se
opõe à guerra e é baseado na internet, disse que sua organização
já atraiu 260 mil membros ao movimento "pelo próprio fato de não
constituir uma contracultura".
Para ele, a contracultura sempre
faz algumas pessoas manterem
distância. "À base da contracultura está a idéia de que a cultura dominante e nosso sistema de valores precisam mudar. Nossa visão
não é essa."
Tanto na organização quanto
nas metas, o movimento contra a
guerra no Iraque não é tão utópico nem tem objetivos tão amplos
quanto a contracultura do passado. "Naquela época, as pessoas
realmente conseguiam imaginar uma organização social diferente", disse Gustin Reichbach, 56, que fez passeata com os Estudantes por uma Sociedade Democrática em 1968, na Universidade Columbia, e hoje é juiz da Suprema
Corte do Estado de Nova York.
"Ninguém hoje está falando em
sistemas sociais alternativos."
A idéia de contracultura se torna ainda mais difícil em razão da
diversidade dos Estados Unidos
no século 21. Afinal, a proposta de
contracultura parte da premissa
de que existe uma cultura a ser
contrariada.
Nova contracultura?
Howard Rheingold, autor de
"Smart Mobs: The Next Social Revolution" (multidões inteligentes:
a próxima revolução social), sugeriu que os grupos reunidos sejam
vistos não como contracultura,
mas como "um ecossistema de
contraculturas", algo possibilitado pela natureza dispersa da internet. Enquanto os anos 60 refletiram a primeira geração a crescer
sob o efeito unificador da televisão, as manifestações contra a
guerra com o Iraque refletem as
infinitas refrações da internet.
O movimento de protestos contra a guerra no Iraque começou
há apenas cinco meses. Será que é
razoável esperar que uma contracultura já tenha surgido para
acompanhá-lo?
A contracultura dos anos 60 só
floresceu plenamente mais tarde
naquela década, depois que o alistamento militar obrigatório e as
notícias constantes de baixas
americanas, juntos, levaram os jovens a adotar posturas mais radicais. Mas os valores alternativos subjacentes a ela já tinham vindo
à tona muito antes, nas obras dos
escritores da geração beat, dos
anos 50, e no revival da música
folk no início dos anos 60.
Michael Phillips, que dá aulas
sobre contraculturas americanas
na Universidade do Texas, disse
que as manifestações estudantis
recentes contra as condições de
trabalho terríveis impostas aos
trabalhadores imigrantes clandestinos e contra a Organização
Mundial do Comércio criaram
um conjunto comparável de valores antimaterialistas prévios às
manifestações atuais, contestando a maneira como os americanos fazem comércio e gastam.
William Kristol, editor do "The
Weekly Standard", que é visto como responsável por formular parte da estrutura intelectual que embasou a política de ação militar
preventiva seguida pela Casa
Branca, propôs uma possibilidade alternativa. Ele disse que detecta as bases de uma verdadeira
contracultura nas críticas recentes feitas ao presidente Bush e que
focalizam sua religião.
Se os manifestantes começarem
a ver a política externa e a agenda
doméstica como frutos de seus
valores cristãos conservadores,
disse Kristol, eles podem propor
uma visão de mundo alternativa
que seja contracultural. "Também existe a discussão em torno
da visão que se tem dos Estados
Unidos -se constituem ou não
uma força em favor do bem no
mundo", disse. "Vejo todo esse lado da coisa como uma protocontracultura. Talvez estejamos em 1964, não em 1968."
Tradução de Clara Allain
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